Alienação fiduciária

O posicionamento do STF sobre a retomada, sem a necessidade de processo judicial, de imóvel financiado gravado por alienação fiduciária em garantia (TEMA 982)

  • Por:Cunha de Almeida
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Por: Mathias Menna Barreto Monclaro

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil emitiu uma decisão bastante relevante em 26 de outubro do corrente ano, ao declarar a constitucionalidade da execução extrajudicial nos contratos do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) que envolvem alienação fiduciária de imóveis, garantia essa materializada na Lei 9.514/97. Este veredicto, alcançado por uma maioria de 8 votos a favor e 2 votos contrários, traz impacto significativo nos processos judiciais em trâmite em nosso país.

Para entender o contexto, é crucial compreender o que é a alienação fiduciária.

Trata-se de um mecanismo que confere um direito real de garantia sobre bens imóveis ou móveis. Segundo a legislação brasileira, especialmente a Lei 9.514/97, a alienação fiduciária é uma operação bilateral na qual o credor fiduciário adquire a propriedade resolúvel e a posse indireta do bem, móvel ou imóvel, em garantia do financiamento concedido ao devedor alienante. Durante a vigência do contrato, o devedor mantém a posse direta do bem, enquanto o credor fiduciário se torna o proprietário, tendo o valor do bem como garantia caso haja inadimplência por parte do devedor fiduciante.

O procedimento de alienação fiduciária prevê consequências claras em caso de inadimplência. Se a dívida não for paga após o vencimento, o devedor é considerado em mora, e o credor fiduciário tem o direito de consolidar a propriedade do imóvel em seu nome.

O devedor é então intimado a pagar a dívida em quinze dias, incluindo prestações vencidas, juros, encargos contratuais, tributos e despesas adicionais. Se o devedor não purgar a mora nesse prazo, o credor fiduciário pode proceder com um leilão público para alienar o imóvel e quitar os débitos, tudo isso sem a necessidade de envolver o Poder Judiciário.

No entanto, esta prática foi questionada por diversos devedores que alegaram violação aos princípios constitucionais, como o contraditório, a ampla defesa, a inafastabilidade da jurisdição e o devido processo legal.

O Excelso Supremo Tribunal Federal decidiu, então, analisar a constitucionalidade desta legislação no Recurso Extraordinário (RE n.º 860.631), interposto por um devedor que contestou a dinâmica prevista na Lei 9.514/97 quanto à satisfação do crédito, ocasionando o Tema 982.

O Relator, Ministro Luiz Fux, argumentou que o tema em discussão não era apenas economicamente relevante, mas também possuía implicações sociais significativas. Ele ressaltou o impacto positivo da alienação fiduciária no mercado de crédito imobiliário brasileiro, destacando que essa prática reduziu os custos e a incerteza associados à obtenção de garantias imobiliárias. Além disso, enfatizou que a execução extrajudicial não exclui o controle judicial; os devedores têm o direito de recorrer ao Poder Judiciário para contestar cobranças indevidas ou violações da lei por parte dos credores.

Em sua manifestação, inclusive, fez expressa referência ao parecer exarado pela Febraban – Federação Brasileira de Bancos:

Ao reduzir tanto o custo quanto a incerteza da possibilidade de obtenção das garantias imobiliárias, a alienação fiduciária permitiu uma verdadeira revolução no mercado de crédito imobiliário brasileiro. De 2007 até 2017, o volume de crédito imobiliário cresceu de forma expressiva, saltando do patamar de 2% do PIB para um valor próximo de 10% do PIB. Esse movimento, ao levar ao aumento da demanda por imóveis, permitiu o desenvolvimento do setor de construção civil, que gerou mais de um milhão de vagas de trabalho entre 2007 e 2013, beneficiando especialmente os trabalhadores menos qualificados.

(…) Essas observações confirmam a teoria econômica ao mostrar que a qualidade das garantias está diretamente ligada ao volume e ao preço (taxa de juros) do crédito ofertado pelas instituições financeiras. Além disso, o comportamento do mercado de crédito mostra que os credores também respondem aos incentivos que são colocados pelas regras do jogo: quanto mais rápida a retomada da garantia, maior o esforço para se manter adimplente.

 

O Ministro Luís Roberto Barroso também apoiou a execução extrajudicial, argumentando que ela reduz o custo do crédito e alivia a carga sobre um sistema judicial já sobrecarregado.

Todavia, houve discordância, dos votos vencidos, exarados pelos Ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia. O primeiro fundamentou sua divergência no sentido de que, em seu entender, o procedimento violava princípios fundamentais, como o devido processo legal e a ampla defesa, e não era compatível com a proteção do direito à moradia.

Após extensos debates, o STF chegou a uma decisão final, estabelecendo a tese, firmada em Tema 982 de Repercussão Geral de que “é constitucional o procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal“.

Portanto, a Suprema Corte confirmou a validade do procedimento extrajudicial previsto na Lei 9.514/97 para a retomada de imóveis financiados por alienação fiduciária, proporcionando segurança jurídica às relações contratuais que envolvem essa forma de garantia.

Como uma consequência à Repercussão Geral objeto de julgamento, na forma do art. 1.039 do Código de Processo Civil, caberá aos demais órgãos do Poder Judiciário brasileiro aplicarem a tese a todos os casos em trâmite.

Sendo assim, a decisão ora examinada representa um marco importante no sistema jurídico brasileiro, estabelecendo um equilíbrio entre a necessidade de proteger os direitos dos devedores e a importância de manter um mercado de crédito robusto e acessível.

Destaque-se, ainda, que ao validar a execução extrajudicial nos contratos de alienação fiduciária, o E. STF reconhece a eficiência desse mecanismo para o setor financeiro e imobiliário, contribuindo para o crescimento econômico do país. No entanto, é fundamental que os devedores estejam cientes de seus direitos e busquem orientação legal adequada para garantir que seus interesses sejam protegidos dentro do contexto desse procedimento.

 

Por: Mathias Menna Barreto Monclaro

Formado pela Universidade Positivo no ano de 2012. Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Paraná sob nº 66.373. Cursou especialização em Processo Civil pelo Instituto Romeu Felipe Bacellar no ano de 2013. Concluiu Legal Law Master (LLM) em Direito Corporativo pela Universidade Positivo no ano de 2015. Concluiu especialização em Gestão de Negócios na Fundação Dom Cabral em 2019. Realizou curso de extensão em Direito Societário na PUC-SP em 2021, bem como realizou cursos nas áreas de arbitragem, demonstrações financeiras e direito das sucessões. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/PR de 2019 a 2021.

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