Por: Juliane Tedesco Andretta
Encontra-se assente no direito brasileiro que na hipótese de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la.
A desconsideração da personalidade jurídica é técnica consistente na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica (ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa), frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, à mercê da autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade.
Assim, tem-se por demais evidente que, uma vez identificados pelo credor atos caracterizadores de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, pode esse pleitear perante o juízo da demanda de conhecimento ou executiva, na forma do art. 135 do Código de Processo Civil, a desconsideração da personalidade jurídica.
Evidente que, para o credor, a descoberta de tais atos configuradores das citadas irregularidades pode levar muitos anos. Nesse contexto, exsurge o seguinte questionamento: Estaria o direito ao exercício do pleito de desconsideração da personalidade jurídica sujeito a prazo prescricional?
Para se responder a essa pergunta, faz-se necessário inicialmente, compreender o que é um direito potestativo.
O direito potestativo consiste em uma faculdade da parte, que pode ser exercida pela vontade de seu titular, sem que se exija uma contraprestação de dar, de fazer ou de não fazer da outra parte. Ao se suscitar a desconsideração da personalidade jurídica se está diante de direito potestativo do credor, que pode exercer consoante sua livre disponibilidade. Isso porque, diversamente do direito subjetivo, ao qual se aplica o instituto da prescrição, o direito potestativo está sujeito a prazo decadencial, tal qual leciona o Prof. Caio Mário da Silva Pereira (2004, p. 689):
“Decadência é o perecimento do direito potestativo, em razão do seu não-exercício em um prazo determinado.”[1]
Assim, correspondendo a desconsideração da personalidade jurídica à direito potestativo, essa se sujeita a prazo decadencial e não o prescricional, que corresponde à extinção da própria pretensão pelo tempo, na forma do art. 189 do Código Civil.
Nessa toada, soa importante ressaltar que na legislação civil não há previsão de prazo especial para o exercício do direito de suscitar a desconsideração, pelo que prevalece, assim, a regra geral da inesgotabilidade ou da perpetuidade, segundo a qual os direitos não se extinguem pelo não-uso.
Desse modo, à míngua de previsão legal de marco decadencial, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, quando preenchidos os requisitos da medida, poderá ser realizado a qualquer tempo.
Cumpre pontuar, que esse é o atual entendimento já consolidado na jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, como é possível verificar-se das ementas abaixo encartadas:
“DIREITO CIVIL E COMERCIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DIREITO POTESTATIVO QUE NÃO SE EXTINGUE PELO NÃO-USO. PRAZO PRESCRICIONAL REFERENTE À RETIRADA DE SÓCIO DA SOCIEDADE. NÃO APLICAÇÃO. INSTITUTOS DIVERSOS. REQUISITOS PARA A DESCONSIDERAÇÃO. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ.
(…) 7. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não provido.
(REsp n. 1.312.591/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 11/6/2013, DJe de 1/7/2013)”.
“DIREITO CIVIL E COMERCIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SEMELHANÇA COM AS AÇÕES REVOCATÓRIA FALENCIAL E PAULIANA. INEXISTÊNCIA. PRAZO DECADENCIAL. AUSÊNCIA. DIREITO POTESTATIVO QUE NÃO SE EXTINGUE PELO NÃO-USO. DEFERIMENTO DA MEDIDA NOS AUTOS DA FALÊNCIA. POSSIBILIDADE. AÇÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO SOCIETÁRIA. INSTITUTO DIVERSO. EXTENSÃO DA DISREGARD A EX-SÓCIOS. VIABILIDADE.
(…) 6. Não há como confundir a ação de responsabilidade dos sócios e administradores da sociedade falida (art. 6º do Decreto-lei n.º 7.661/45 e art. 82 da Lei n.º 11.101/05) com a desconsideração da personalidade jurídica da empresa. Na primeira, não há um sujeito oculto, ao contrário, é plenamente identificável e evidente, e sua ação infringe seus próprios deveres de sócio/administrador, ao passo que na segunda, supera-se a personalidade jurídica sob cujo manto se escondia a pessoa oculta, exatamente para evidenciá-la como verdadeira beneficiária dos atos fraudulentos. Ou seja, a ação de responsabilização societária, em regra, é medida que visa ao ressarcimento da sociedade por atos próprios dos sócios/administradores, ao passo que a desconsideração visa ao ressarcimento de credores por atos da sociedade, em benefício da pessoa oculta.
(REsp n. 1.180.714/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 5/4/2011, DJe de 6/5/2011.)
Depreende-se assim, do que asseveram atualmente os acórdãos do C. STJ, que presentes os seus requisitos, a desconsideração da personalidade jurídica é, portanto, um direito potestativo, que não está sujeito ao fenômeno da prescrição e, que ante a inexistência de previsão legal para o exercício deste direito, também não se sujeita à decadência, podendo ser pleiteado pelo credor a qualquer momento, desde que a pretensão de mérito possa ser exercida, vez que essa via incidental da ineficácia da personalidade jurídica, por ser inesgotável, não será extinta por seu não-uso.
Juliane Tedesco Andretta
REFERÊNCIA
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Introdução ao Direito Civil. Teoria Geral de Direito Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2004.
[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. V. 1. Introdução ao direito civil. Teoria geral do de direito civil. Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 689.
Comentários
Nenhuma resposta para “DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: (IN)APLICABILIDADE DE PRAZO PRESCRICIONAL?”
Ainda não há comentários.