Por: Mathias Menna Barreto Monclaro – Sócio de Cunha de Almeida, Hollanda & Monclaro Advogados Associados.
A profissão de detetive particular, ao longo do tempo, passou por uma transformação significativa em seu escopo, métodos e reconhecimento legal. O que inicialmente era visto como uma atividade obscura, muitas vezes ligada a investigações de cunho pessoal, como infidelidades conjugais, gradualmente evoluiu para um campo especializado e altamente profissional.
No Brasil, a regulamentação da profissão pela Lei 13.432 de 11 de abril de 2017 trouxe legitimidade e abriu novas perspectivas para a atuação dos detetives particulares, especialmente em áreas ligadas à recuperação de ativos e à busca por bens e atividades ocultas, por devedores contumazes.
As Origens da Investigação Particular
Historicamente, a figura do detetive particular remonta ao século XIX, em especial com o surgimento da primeira agência de detetives fundada por Allan Pinkerton[1] nos Estados Unidos, em 1850.
Inicialmente, os detetives particulares eram frequentemente associados a investigações criminais e à proteção de indivíduos ou empresas. Entretanto, com o tempo, esse papel se expandiu para incluir investigações de caráter pessoal, muitas vezes ligadas a questões conjugais e familiares.
No Brasil, a profissão foi durante muito tempo vista com desconfiança e muitas vezes era associada à invasão de privacidade, especialmente em investigações extraconjugais. Isso se deu, em parte, pela ausência de regulamentação legal que garantisse uma conduta ética e delimitasse o campo de atuação dos investigadores.
A falta de diretrizes claras também contribuía para a percepção negativa, uma vez que muitos atuavam de maneira informal, sem responsabilidade profissional ou respaldo jurídico.
A Regulação da Profissão: Lei 13.432/2017
A promulgação da Lei 13.432 de 2017 representou um marco na história da profissão de detetive particular no Brasil. Essa legislação trouxe uma série de normas e responsabilidades para os profissionais, formalizando sua atuação e estabelecendo parâmetros éticos e legais.
Um dos principais avanços trazidos pela lei foi o reconhecimento do detetive particular como um profissional apto a elaborar relatórios que podem ser utilizados como provas em processos judiciais, desde que respeitem as limitações impostas pela legislação.
A lei também definiu com maior clareza o escopo da atuação dos investigadores, estabelecendo que eles podem atuar em trabalhos que não tenham repercussão criminal[2] e colaborar com investigações criminais, desde que não interfiram na competência das autoridades policiais. Isso foi um avanço significativo, pois permitiu que os detetives particulares atuassem em investigações patrimoniais, empresariais e familiares de forma mais profissional e respeitando os direitos dos investigados.
Ademais, a Lei 13.432/2017 estabeleceu a necessidade de sigilo absoluto por parte dos detetives, limitando o uso de suas descobertas e protegendo os direitos de privacidade das partes investigadas. Isso trouxe maior credibilidade à profissão e a diferenciou de uma atividade que anteriormente era vista como invasiva e obscura.
Em complemento a tal previsão legislativa, o Provimento nº 188/2018 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil fixou a regulamentação da prerrogativa do advogado de realização de diligências investigatórias para instrução de procedimentos judiciais e administrativos, fato que consolidou, com robustez, a parceria essencial entre escritórios de advocacia e os investigadores particulares[3]–[4].
O Papel Atual do Detetive Particular: Além das Infidelidades
Após a regulamentação da profissão, a atuação dos detetives particulares foi ampliada para além das investigações pessoais, especialmente aquelas relacionadas a infidelidades conjugais. Hoje, os detetives desempenham um papel fundamental em áreas que envolvem questões patrimoniais, corporativas e empresariais.
Isso inclui a investigação de fraudes, crimes financeiros, concorrência desleal, localização de bens ocultos e rastreamento de ativos desviados por devedores.
Essas novas frentes de atuação tornaram os detetives particulares ferramentas valiosas para empresas, advogados e credores.
Em processos de execução de dívidas, por exemplo, a localização de bens escondidos ou ocultados por devedores tornou-se uma tarefa cada vez mais necessária. Muitas vezes, devedores utilizam-se de meios legais, como a criação de empresas ou a transferência de bens para terceiros, para evitar o cumprimento de suas obrigações financeiras.
Nesse contexto, o detetive particular, utilizando métodos avançados de investigação, pode ser decisivo para a localização desses ativos, viabilizando sua penhora ou bloqueio.
Há que se complementar tal arguição com o fato de que a investigação particular, devidamente regulamentada, já foi objeto de diversos julgados em território pátrio, não se tendo notícia da desqualificação de qualquer Relatório de investigação que tenha sido desconsiderado, se tiver respeitado a legislação de regência.
Exemplo de tal aceite, pelo Poder Judiciário, vê-se do seguinte julgado, extraído do E. TJCE, quando tal instrumento foi utilizado para embasar uma desconsideração da personalidade jurídica:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INSURGÊNCIA CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA, VISANDO AO ARRESTO CAUTELAR DE NUMERÁRIO DEPOSITADO EM CONTAS DOS AGRAVADOS, ASSIM COMO NOS BENS IMÓVEIS RELACIONADOS. PRETENSÃO DE REFORMA. FORTES INDÍCIOS DE CONFUSÃO PATRIMONIAL. OCULTAÇÃO DE BENS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA MODALIDADE EXPANSIVA. ELEMENTOS PROBATÓRIOS. DOCUMENTAÇÃO IDÔNEA. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS PARA A CONCESSÃO DA TUTELA, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 50 DO CC E 300 DO CPC. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO REFORMADA. (…) 3. Na espécie, pela análise da farta documentação trazida aos autos, denota-se que há fortes indícios de confusão patrimonial, vez que existem diversas empresas geridas pelas mesmas partes, funcionando no mesmo local e com o mesmo objeto social, utilizando-se de parentes próximos como sócios administradores, embora haja evidências de que os executados são os verdadeiros gestores, o que atrai a probabilidade do direito da agravante. 4. Observam-se fortes indícios de que os devedores constituíram diversas empresas, das quais seus parentes próximos (mãe, pai, filho) são os sócios cotistas, enquanto o casal, apesar de não aparecer no contrato social, é, de fato, titular e administrador destas empresas é a figura do sócio oculto. Tal circunstância configura a modalidade expansiva da desconsideração da personalidade jurídica. 5. Muito embora o exequente tenha providenciado uma investigação particular, o relatório investigativo trouxe em seu arcabouço diversos documento públicos (JUCEC, Receita Federal, Ministério do Trabalho, processo trabalhista etc) que conferem veracidade e fé pública ao seu conteúdo, além de informações de livre acesso ao público por meio das redes sociais (facebook, youtube, instagram), o que evidencia a documentação idônea que o instruiu. (…)”
(TJCE. Agravo de Instrumento – 0621569-63.2023.8.06.0000, Rel. Desembargador(a) MARIA DE FÁTIMA DE MELO LOUREIRO, 2ª Câmara Direito Privado, data do julgamento: 21/02/2024, data da publicação: 21/02/2024)
Soa evidente, assim, que para além da regulamentação legislativa da atividade, o Poder Judiciário já convalida tal hipótese como socorro aos credores, desde que a investigação reste amparada em documentação idônea, obtida de forma lícita.
Métodos Avançados de Investigação e Tecnologia
Com a modernização da profissão, o detetive particular também passou a contar com uma série de ferramentas tecnológicas que ampliaram suas capacidades de investigação.
A utilização de big data, cruzamento de informações em bases públicas e privadas, monitoramento de redes sociais e análise de documentos digitais são alguns dos métodos mais avançados utilizados atualmente pelos detetives. Esses recursos tecnológicos permitem uma investigação mais eficiente e precisa, especialmente em casos de fraudes complexas ou na tentativa de ocultação de patrimônio.
A evolução tecnológica também trouxe consigo novas formas de vigilância e coleta de informações, incluindo o uso de drones, câmeras de alta definição e softwares de análise de dados que permitem ao detetive particular reunir informações sem infringir a legislação.
Esses recursos são particularmente úteis em investigações patrimoniais, onde é necessário mapear movimentações financeiras, empresas de fachada, e outras tentativas de ocultação de bens.
Além disso, o acesso a bases de dados públicas e privadas, como registros de imóveis, veículos e ações judiciais, permite que o detetive particular realize uma varredura completa dos bens e atividades financeiras de um investigado, facilitando o rastreamento de patrimônios ocultos.
A Utilidade na Investigação de Patrimônio Oculto
No Brasil, a recuperação de crédito e a localização de bens ocultos por devedores têm se tornado uma das áreas de maior demanda para os detetives particulares. Em muitos casos, os devedores buscam esconder seus bens ou transferi-los para terceiros com o intuito de evitar o pagamento de dívidas.
Nessa perspectiva, o trabalho do detetive particular é essencial para identificar essas movimentações e garantir que os credores possam obter a reparação financeira adequada.
Essa investigação pode envolver desde a análise de movimentações bancárias até o rastreamento de transferências imobiliárias, identificação de empresas que possam servir como “laranjas” para ocultar patrimônio, monitoramento de rotina dos devedores, fotografia e vídeos em posse de bens móveis, atividade de clientes ocultos nos estabelecimentos, utilização de “estória cobertura” para coleta de informações com terceiros e investigados e outras frentes de trabalho.
O detetive particular, com suas habilidades e recursos tecnológicos, tem se mostrado uma peça fundamental para a busca e localização de ativos, sendo uma ferramenta valiosa para advogados e credores em todo o território nacional.
Conclusão
A evolução da atividade de detetive particular no Brasil reflete uma transformação importante no reconhecimento dessa profissão, que passou de uma prática marginal e muitas vezes vista com desconfiança para uma atividade profissional regulada e altamente especializada.
Assim, a atuação dos detetives particulares vai muito além da investigação de infidelidades conjugais, abrangendo áreas como a localização de bens ocultos, fraudes financeiras e rastreamento de ativos.
A utilização de métodos avançados de investigação e tecnologias de ponta tornou o trabalho dos detetives mais eficiente e indispensável, especialmente em questões patrimoniais e empresariais, onde o ocultamento de bens por devedores é uma prática comum.
Dessa forma, os detetives particulares consolidaram-se como profissionais essenciais na busca por justiça e na recuperação de créditos, auxiliando empresas, advogados e credores em todo o país.
Mathias Menna Barreto Monclaro – Sócio de Cunha de Almeida, Hollanda & Monclaro Advogados Associados.
[1] Disponível em: https://www.britannica.com/biography/Allan-Pinkerton
[2] “Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se detetive particular o profissional que, habitualmente, por conta própria ou na forma de sociedade civil ou empresarial, planeje e execute coleta de dados e informações de natureza não criminal, com conhecimento técnico e utilizando recursos e meios tecnológicos permitidos, visando ao esclarecimento de assuntos de interesse privado do contratante.”
[3] “Art. 4º Poderá o advogado, na condução da investigação defensiva, promover diretamente todas as diligências investigatórias necessárias ao esclarecimento do fato, em especial a colheita de depoimentos, pesquisa e obtenção de dados e informações disponíveis em órgãos públicos ou privados, determinar a elaboração de laudos e exames periciais, e realizar reconstituições, ressalvadas as hipóteses de reserva de jurisdição.
Parágrafo único. Na realização da investigação defensiva, o advogado poderá valer-se de colaboradores, como detetives particulares, peritos, técnicos e auxiliares de trabalhos de campo.”
[4] “Art. 6º O advogado e outros profissionais que prestarem assistência na investigação não têm o dever de informar à autoridade competente os fatos investigados.
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