Por: César Almeida Bertoldi
Modelo muito comum de garantia ao pagamento de dívidas é alienação fiduciária, moderna forma de salvaguardar os interesses do credor fiduciário – instituição financeira ou pessoa natural ou jurídica que concede o crédito – e opção comumente utilizada na aquisição de bens pelos chamados devedores fiduciantes – isto é, aqueles que se utilizam de crédito para a obtenção do bem.
Ao contrário do que ocorre com o tradicional (e já ultrapassado) instituto da hipoteca, na alienação fiduciária o credor é beneficiado pela denominada propriedade resolúvel do bem dado em garantia, de modo que na eventualidade do devedor fiduciante não adimplir a dívida contraída, a garantia será facilmente executada, haja vista integrar previamente o rol patrimonial do credor fiduciário, possibilitando ágil pagamento da dívida não paga.
A facilidade, por óbvio, vem em benefício de todos aqueles que buscam financiar a aquisição de bens com instituições financeiras, que conseguem disponibilizar taxas de juros mais atraentes em decorrência da menor complexidade da operação e baixo risco de inadimplência.
A alienação fiduciária, contudo, não é apenas utilizada por bancos no financiamento de bens a pessoas naturais e jurídicas, mas também pode ser utilizada como forma de garantir, por exemplo, contratos de crédito, tais como um mútuo (empréstimo entre partes não integrantes do sistema financeiro nacional, pelo qual se ajusta a transferência de recursos, por prazo determinado e mediante a devolução com aplicação de juros).
Ou seja, nem sempre a alienação fiduciária virá a garantir a compra do próprio bem alienado (por exemplo, um carro ou um apartamento), mas também pode vir a ser utilizada como garantia do adimplemento de uma dívida financeira que nada tenha a ver com o bem dado em garantia (e transferido à propriedade resolúvel do credor fiduciário).
Desse modo, a ampla aplicabilidade do interessante instituto é um fato. No entanto, dúvida relevante pode subsistir àqueles que desejam adquirir (por meio de financiamento) fração ideal de imóvel ou, ainda, dar em garantia de uma dívida a fração ideal de um imóvel a eles já pertencida: É possível alienar fiduciariamente fração ideal de bem imóvel?
A resposta para o questionamento é afirmativa.
Isso porque, em se tratando de propriedade sobre a fração ideal de imóvel, imperam as regras atinentes ao condomínio (domínio compartilhado, copropriedade), de modo que por força do Código Civil Brasileiro (art. 1.314, caput), “cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la”.
Importante registrar, nesse sentido, que não se está a tratar do condomínio na acepção mais tradicional do termo (por exemplo um condomínio residencial vertical ou horizontal), mas sim da hipótese em que um imóvel pertença a mais de uma pessoa natural ou jurídica. A título de exemplo, cita-se um terreno em que duas pessoas sejam proprietárias na fração de 50% cada.
Essa exata hipótese, aliás, foi alvo de “Dúvida” instaurada em 2019 por Cartório de Registro de Imóveis do Estado de São Paulo, perante a 1ª Vara de Registros Públicos paulistana, que defendeu a possibilidade de se alienar fiduciariamente fração ideal de imóvel, destacando, dentre outros fundamentos “que a realização de negócios jurídicos cujo objeto seja parte ideal de imóvel é comum na economia, sendo o entrave (…) contrário aos objetivos de livre circulação da propriedade no mercado”.
Por fim, superada a questão fulcral, subsiste dúvida adicional: a instituição de alienação fiduciária em fração ideal, não frustraria o direito de preferência dos demais condôminos, em caso de execução da garantia e conseguinte venda, em leilão, da fração alienada? A resposta é negativa, porquanto os condôminos deverão ser previamente cientificados da realização da hasta, quando poderão fazer valer sua preferência legal, prevista no art. 504 do Código Civil.
César Almeida Bertoldi
OAB/PR nº 90.452
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