É usual na constituição de sociedades limitadas, de apenas 02 sócios, a divisão igualitária das participações societárias, ou seja, 50 por 50%. Isso se dá não apenas como demonstração da affectio societatis entre os seus constituintes, mas como uma – talvez irracional – expressão prévia de lealdade e expectativa de consenso futuro perpétuo. Afinal, está-se diante de uma sociedade de pessoas, na qual a pessoalidade de seus integrantes é traço marcante de sua constituição.
Porém, o dia-a-dia empresarial é repleto de situações passíveis de impasses. Vender ou comprar bens, distribuir lucros, aumentar o capital social, realizar investimentos, nomear administradores, celebrar contratos, enfim, são inúmeros os temas sobre os quais se pode instaurar dissenso entre os sócios.
Será então uma boa opção a participação 50 por 50% na sociedade limitada? Como solucionar o impasse na decisão dos sócios, sem que isso importe na dissolução parcial ou total da sociedade?
Tudo dependerá o que dispõe o contrato social. Muitas vezes, p. ex., nada foi previsto acerca do tema, pois utilizados “modelos” de contratos sem qualquer previsão sobre essa e inúmeras outras relevantes questões societárias. É nesse momento que o “barato sai caro”, como diz o adágio popular.
No vácuo de disposições contratuais expressas, é o Código Civil Brasileiro que norteará a solução do desempate. O parágrafo segundo, do artigo 1.010, dispõe que as deliberações sociais “serão tomadas por maioria de votos”, contados segundo o valor das quotas de cada sócio e, no caso de empate, “decidirá o juiz”, a exemplo do que também orienta o artigo 129, parágrafo segundo, da Lei 6.404/76 1, essa aplicável às sociedades anônimas.
Ou seja, decidirá o magistrado, profissional com conhecimento global, nem sempre específico a respeito de discussões societárias, o desempate da questão intrincada entre os sócios. Além disso, não raro o Poder Judiciário deixa de proferir decisões céleres e tecnicamente adequadas a melhor extirpar um impasse societário. Porém, o que menos precisa o empresário é um terceiro, não acostumado ao tema, decidindo sobre questões relevantes à sua atividade empresarial.
E para se evitar tal situação, inúmeras empresas têm se valido da Arbitragem como forma de solução de conflitos. Elegem não apenas a Câmara Arbitral e suas respectivas regras e procedimentos, mas a legislação aplicável e árbitros dotados de expertises previamente conhecidas das partes.
Na arbitragem, a expectativa é que se reduzam as chances de decisões alheias à realidade empresarial, possibilitando um cenário parametrizado e de maior previsibilidade, dada a especialidade dos julgadores.
Para tanto, é necessária a instituição de cláusulas compromissórias arbitrais, seja no contrato social ou nos contratos para-sociais, como o acordo de quotistas.
Mas há, ainda, diferentes soluções para o tema do impasse em sociedades limitadas, ou até em anônimas fechadas, com participações igualitárias de 50 por 50%, como é o caso das deadlock provisions ou, em português, cláusulas de impasse.
Apesar de sua origem anglo-americana, dos anos 1960 2, tais medidas são largamente utilizadas no direito brasileiro, apesar de inexistir previsão expressa regulamentando essas formas de soluções em nossa legislação. Seus exemplos corriqueiros são as cláusulas de buy or sell ou shotgun, com denominações melodramáticas ofertadas pelo mercado, como Russian Roulete e Texas Shoot-Out.
Na Russian Roulete (roleta russa), havendo o impasse, um dos sócios poderá ofertar a compra da integralidade das quotas do outro sócio, apresentando preço justo para tanto, observadas as demais disposições do instrumento. Por sua vez, o sócio que a recebe também poderá adquirir as quotas do sócio ofertante, nas mesmas condições de compra ofertadas. Esta é uma opção efetivamente randômica de uma solução de conflitos, pois não se sabe ao certo qual dos sócios permanecerá na sociedade, com a integralidade das quotas, e qual sairá. O problema aqui reside na criação artificial de impasse pelo sócio detentor de melhores condições econômicas, que pode tentar se prevalecer da fragilidade financeira do outro integrante.
Já na Texas Shoot-Out, o sócio que recebe a proposta de compra de suas quotas, pode ofertar valor maior pela aquisição das quotas do outro sócio, o qual, por sua vez, também poderá apresentar nova contraproposta e assim sucessivamente, até que a maior oferta prevaleça.
Há uma terceira variante, em que os sócios em impasse apresentam suas propostas de compra, sendo declarado vencedor aquele cujo preço seja mais próximo da avaliação societária apresentada por um profissional contratado, alheio à sociedade, eleito em consenso entre os sócios. Inúmeras outras opções de cláusulas são previstas para o mesmo fim, cada uma delas podendo se adaptar aos interesses e peculiaridades da relação societária existente.
Por fim, também como exemplo de deadlock provisions à solução de impasses, são as opções de compra e venda, denominadas de Put ou Call options. Nestas, a compra e venda das quotas são compulsórias em virtude da ocorrência de um fato eleito pelos sócios como gatilho à aquisição ou venda de ações 3. No put option, um sócio força o outro a comprar suas ações e no call option o sócio exerce o direito de compra das quotas do outro.
Exemplo típico é o caso do aumento do capital da sociedade, em que aquele que não interessar o investimento terá o direito de vender (put) sua participação ao outro sócio. Já no call podem prever os sócios, por exemplo, o alcance de um determinado faturamento anual pela sociedade, o que implicará na compra da participação de um sócio frente ao outro.
O que importa, nesse cenário é a relevância da previsão, no contrato social ou em instrumentos para-sociais, de formas de solução de impasses, seja pela Arbitragem ou por deadlock provisions, evitando-se não apenas que o tema recaia perante o Poder Judiciário, mas possibilitando que o impasse não leve à dissolução da sociedade, prejudicando não apenas seus sócios integrantes, como uma gama de interessados diretos (empregados, colaboradores, terceirizados, fornecedores etc.) e indiretos (sociedade e Estado).
Pedro Ivan Vasconcelos Hollanda – OAB/PR Nº 29.150
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[1] “Art. 129. As deliberações da assembleia-geral, ressalvadas as exceções previstas em lei, serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco.§ 1º O estatuto da companhia fechada pode aumentar o quorum exigido para certas deliberações, desde que especifique as matérias. § 2º No caso de empate, se o estatuto não estabelecer procedimento de arbitragem e não contiver norma diversa, a assembleia será convocada, com intervalo mínimo de 2 (dois) meses, para votar a deliberação; se permanecer o empate e os acionistas não concordarem em cometer a decisão a um terceiro, caberá ao Poder Judiciário decidir, no interesse da companhia”.
[2] FERREIRA, Mariana Martins-Costa. Buy or Sell e Opções de Compra e Venda para Resolução de Impasse Societário. São Paulo: Quartier Latin, 2018.
[3] Acerca do tema, vale destacar o seguinte julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça, AgRg no AREsp n. 413.091/RJ, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 27/3/2014, DJe de 9/4/2014, no qual houve discussão relativa a expressivas quantias a título de putt e call a serem pagas pela Petrobras S.A. em aquisição de parte da empresa norte americana NRG, em usina termoelétrica TermoRio.
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