E-COMMERCE E LINKS PATROCINADOS DO GOOGLE: ENTRE A LIVRE INICIATIVA E A CONCORRÊNCIA DESLEAL

  • Por:Cunha de Almeida
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Há quase 30 anos, o e-commerce (ou “comércio eletrônico” em português) mudou a forma como empresas atuam no mercado e como os consumidores adquirem produtos e contratam serviços. Com o avanço da digitalização nos mais diversos segmentos, o comércio eletrônico se tornou não só um complemento ao comércio físico, senão a principal modalidade de transações comerciais para muitas empresas (de pequeno a grande porte).

Uma das principais vantagens do e-commerce reside no alcance de um público consideravelmente maior se comparado ao modo de operação das lojas físicas. Ou seja, os empreendedores encontram maior visibilidade nas plataformas do comércio eletrônico, alcançam um maior número de potenciais consumidores e, consequentemente, elevam os seus ganhos em transações comerciais.

Entretanto, ao mesmo tempo que a visibilidade é favorecida, impõe-se a cada um dos atuantes no mercado eletrônico empenho maior para que se destaquem dos demais concorrentes. Afinal, a concorrência no ambiente virtual vai muito além da costumeira competição entre lojas estabelecidas nos limites de um bairro ou de uma cidade. No e-commerce, cada empresa disputa a atenção dos consumidores com um número extraordinário de empresas concorrentes. Para se ter uma ideia, o comércio eletrônico brasileiro, pelo que se divulga, chegou a 1,6 milhão de lojas on-line em 2022.[1]

À vista disso, muitas empresas têm apostado em novas ferramentas e soluções de marketing e publicidade digital para alcançar um número maior de potenciais consumidores na internet, no exercício da livre iniciativa e da livre concorrência. Não obstante, alguns desses mecanismos e a forma de utilizá-los têm gerado disputas, inclusive judiciais, no que se refere ao comércio eletrônico.

Aliás, a quantidade de litígios judiciais relacionados a disputas entre empresas atuantes no universo digital tem crescido a cada dia, com discussões cada vez mais complexas e inovadoras no campo jurídico que, aos poucos, tem regulado as diversas relações estabelecidas entre pessoas no ambiente virtual.

Nesse contexto, uma das ferramentas que encontrou destaque nos últimos anos e que tem gerado alguns debates, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é o Google Ads (antigo Google Adwords), a plataforma de anúncios do Google. Trata-se de uma solução de publicidade on-line que empresas utilizam para promover os seus produtos e serviços na pesquisa do Google, no Youtube e em outros sites na internet.

O Google Ads funciona por meio da exibição de anúncios em forma de links patrocinados, baseando os seus resultados em palavras-chave (keywords advertising) previamente selecionadas e contratadas por empresas atuantes no e-commerce. Assim, quanto mais palavras-chaves contratadas pelo anunciante, maiores serão as chances de os consumidores encontrarem as suas ofertas. Além disso, as palavras-chave são escolhidas livremente pelo anunciante “pagador”, com base no público-alvo que pretende atingir.

A ferramenta funciona da seguinte forma: a empresa anunciante pré-seleciona alguma(s) palavra(s)-chave no ato de contratação do serviço pago (Google Ads), de forma que, quando o internauta realiza uma busca no provedor com a palavra previamente contratada, o anúncio ou site da empresa aparece em destaque e precedência dentre os resultados obtidos, direcionando o potencial consumidor ao seu site, loja virtual ou, até mesmo, à rede social da empresa contratante.

Contudo, uma das polêmicas que envolve o uso da referida ferramenta de publicidade colocou em debate os limites à escolha de palavras-chave no ato de contratação do Google Ads, dada a inexistência de qualquer restrição sobre o vocábulo escolhido. A discussão chegou ao STJ no ano de 2022 (REsp 1.937.989 – SP),[2] como uma questão inédita sobre direito de marca e direito concorrencial no âmbito da Corte Superior de Justiça.

Em suma, a controvérsia consistia em definir se configura concorrência desleal a conduta de um anunciante que utiliza a marca registrada de um concorrente como palavra-chave em link patrocinado do Google, obtendo posição privilegiada em resultados de buscas, visando direcionar os usuários daqueles produtos e serviços para o seu próprio sítio eletrônico.

A questão levada ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça teve sua origem em uma ação judicial que envolvia duas empresas paulistas do setor de turismo, dedicadas à venda de passagens aéreas e pacotes turísticos no comércio eletrônico. Ou seja, empresas diretamente concorrentes no universo digital.

O conflito partiu da seguinte constatação: a “Empresa R” (parte ‘ré’ na ação), que fornece os mesmos serviços de viagem e turismo que a “Empresa A” (parte ‘autora’ na ação), estava utilizando o Google Ads para obter visualizações de sua página na internet a partir da contratação de palavra-chave com o elemento nominativo (nome) da marca de titularidade da empresa demandante na ação judicial.

Ou seja, a empresa ré selecionou trecho do nome empresarial da empresa autora como palavra-chave no Google Ads. Assim, ao colocar como critério de busca o nome da “Empresa A”, o usuário da internet recebia, como resposta, a sugestão do site da “Empresa R”, o qual aparecia em destaque e precedência nos resultados de busca, gerando um desvio de consumidores e, portanto, um abuso da livre concorrência e da livre iniciativa.

A Quarta Turma do STJ, ao apreciar a controvérsia, considerou ilícita a conduta de empresas anunciantes que, ao contratarem links patrocinados por meio da seleção de palavras-chave (keywords advertising), escolhem a marca ou o nome empresarial de concorrentes – geralmente empresas renomadas em seus respectivos ramos -, obtendo, dessa forma, posição privilegiada em resultados de busca.

Neste cenário, a Corte considerou que tal conduta configura concorrência desleal, caracterizada pela utilização de esforços antiéticos que visam o desvio de clientela e o empobrecimento do concorrente – conduta reprimida pelo art. 195, III e IV,[3] da Lei de Propriedade Industrial e pelo art. 10 bis[4] da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial.

A Corte asseverou que o redirecionamento de consumidores por meio dessa prática pode acarretar confusão no que tange aos produtos oferecidos ou à atividade desempenhada por outros atuantes no e-commerce, ocasionando uma diluição da marca de terceiros no mercado, a qual perde posição de destaque e, consequentemente, sofre prejuízos à visibilidade no comércio eletrônico.

Portanto, embora seja lícito o expediente dos links patrocinados por meio do Google Ads, a inexistência de parâmetros ou proibições no que tange às palavras-chave que acionem a publicidade, escolhidas pelos próprios anunciantes, podem gerar conflitos relacionados à propriedade intelectual, o que exige cautela por parte de empresas que atuam no e-commerce, a fim de respeitar as normas relativas à propriedade industrial e, por consequência, evitar eventuais conflitos.

Ao final, o STJ negou provimento ao recurso da empresa ré, condenada ao pagamento de indenização em favor da empresa demandante, o que ocorreu desde a primeira instância na Corte Estadual paulista, reconhecendo que o estímulo à livre iniciativa deve encontrar limites, “sendo inconcebível reconhecer lícita conduta que cause confusão ou associação proposital à marca de terceiro atuante no mesmo nicho de mercado”.[5]

Diante disso, é de se concluir que o uso de mecanismos como os links patrocinados do Google deve sempre observar os preceitos legais que regem o direito concorrencial, o direito de marca e o direito de propriedade industrial. A livre concorrência, enquanto princípio expressamente previsto na Carta Constitucional de 1988 (art. 170, IV),[6] deve se materializar na repressão de quaisquer movimentos tendentes a eliminar a concorrência e a promover um aumento arbitrário de lucros (art. 173, §4º, CF)[7] mediante práticas abusivas – como é o caso de seleção de palavras-chaves com elementos nominativos de marcas de terceiros.

Consoante bem exposto no acórdão do Superior Tribunal de Justiça, a política de concorrência, em que pese seja considerada, por muitos empreendedores, um dos maiores desafios das empresas que atuam no e-commerce, “é determinante para a continuidade dos empreendimentos de ordem econômica e estrutural de um mercado eficaz”. À vista disso, a Corte assinalou que a utilização de esforços que se distanciam da ética, visando o desvio de clientes e o empobrecimento de concorrentes, torna desleal a concorrência, o que merece ser combatido pelo nosso ordenamento jurídico, pelo Poder Judiciário e evitado por todos os que atuam no comércio eletrônico e fazem uso de mecanismos de publicidade on-line (como o Google Ads).

Afinal, a livre iniciativa, o jogo de mercado, a sadia competição e a obtenção de lucro constituem “molas propulsoras da economia de um país”, de modo que, a ideia fundamental às concepções de livre concorrência e livre iniciativa é a obediência às leis que regem o mercado, às normas jurídicas que a orientam e a disciplinam e, por óbvio, à honestidade na competição.[8]

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