Restou publicado, em 16 de maio de 2023, pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, o informativo de jurisprudência n. 774, no qual são refletidos julgados proferidos por aquele Tribunal, sobre teses de relevância firmadas nos seus julgamentos, as quais são selecionadas pela repercussão no meio jurídico e por sua novidade.
Dentre os julgados citados, consta o interessante feito sobre o eventual afastamento da exigibilidade (um dos requisitos inerentes aos títulos executivos extrajudiciais, em conjunto com a liquidez e a certeza) de uma Cédula de Produtor Rural que contemplava previsão de garantia securitária. O caso em comento (AgInt no Ag. em REsp 2144537 – GO) foi relatado pelo Ministro Marco Buzzi e julgado à unanimidade pela Quarta Turma.
Em resumo, a discussão versava sobre contratação firmada entre Produtor Rural e uma Instituição Financeira, onde pactuaram Cédula Rural Pignoratícia, contemplando previsão securitária para salvaguardar os interesses do Banco, na eventualidade do Produtor inadimplir suas obrigações.
Assim, na estrita dicção contratual, em caso de inadimplemento, poderia a Credora acionar o seguro e solicitar a liquidação do sinistro, a fim de receber a indenização securitária e saldar o débito, como se vê da redação contratual:
“SEGURO DE BENS VINCULADOS – Autorizo (amos) o Banco (…) a realizar os seguros do(s) bem(s) descritos na pertinente Cédula, dentro da apólice do Seguro Automático de Penhor Rural que tem com Cia. De Seguros (…), cujas condições são de meu (nosso) inteiro conhecimento. Poderá o banco, na condição de estipulante do Seguro, praticar todos os atos relacionados com a liquidação de sinistro, receber indenização e dar quitação, aplicando o produto na amortização ou solução integral da dívida, providenciar a quitação do prêmio e solicitar as alterações do contrato de seguro que se fizerem necessárias. Os prêmios correrão por minha (nossa) conta, podendo o Banco fornecer, a seguradora, os laudos das avaliações e das vistorias realizadas bem como os lançamentos contábeis em conta gráfica, tudo sem qualquer responsabilidade por eventuais prejuízos que decorrem de omissão ou irregularidade na cobertura dos riscos.”
Entretanto, no caso sob exame, ao invés de pleitear a indenização pela via securitária, o Banco houve por bem executar a própria Cédula de Produtor Rural, que é título executivo extrajudicial, na forma do art. 10 do Decreto-Lei 167/67, em desfavor do devedor.
Em defesa, para além de outras matérias não examinadas pelo C. STJ, o Produtor Rural aduziu a inexigibilidade da dívida, ao entender que caberia ao ente financiador solver diretamente a dívida com o acionamento do seguro.
Interessante registrar que, em sede de Recurso de Apelação, o E. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás houve por bem reconhecer tal alegação, julgando extinta a execução, do que se extrai a seguinte passagem: “Nesse cenário, a pretensão da instituição financeira em juízo está condicionada à liquidação do sinistro junto à seguradora, mediante a apuração da ocorrência ou não do evento coberto pelas cláusulas contratuais, quando então poderá exigir, total ou parcialmente o seu crédito, conforme for o caso. (…) Assim, comprovada a existência do seguro agrícola com a comunicação do sinistro, não há exigibilidade no título, enquanto não efetivada a sua liquidação pela instituição financeira junto a seguradora, única beneficiária, demonstrando a negativado pagamento do seguro, a possibilitar a execução total da dívida. (…)”
Inconformado com referido posicionamento, o Banco interpôs Recurso Especial, o qual foi provido, para o fim de afastar a extinção da execução, determinando a baixa dos Autos ao Tribunal de Goiás para exame das demais insurgências do devedor que deixaram de receber julgamento, ante a extinção fixada, que ora restou reformada.
Em resumo, para se alcançar tal conclusão, isto é, para afastar a inexigibilidade outrora reconhecida, o C. Superior Tribunal de Justiça reforçou julgados anteriores da Corte, no sentido de garantir a exigibilidade das chamadas CPRs (Cédulas de Produtor Rural), ainda que garantidas por seguro contratualmente previsto, posto que tal condição não interfere em sua exequibilidade.
No caso em questão, fixou-se que a instituição financeira figurou como mera estipulante do contrato de seguro, tendo a faculdade – não uma obrigação, sendo este o ponto chave do caso concreto – de promover todas as ações relacionadas à liquidação do sinistro, caso assim desejasse.
Assim, no entender da Corte Superior essa ação (acionamento da Seguradora) não configura imposição necessária para que a cédula rural mantenha suas características de liquidez, certeza e exigibilidade, vale dizer, é uma mera faculdade da Credora pleitear o acionamento do Seguro, circunstância que não afasta seu direito autônomo de receber o pagamento pela via contratualmente eleita, isto é, de execução da CPR.
Consignou, ainda, aquele julgado, que a existência do seguro permite ao beneficiário (devedor) promover denunciação da lide (na forma da previsão do art. 125, II, do Código de Processo Civil), uma medida que poderia ter sido adotada pelo recorrido, o que, contudo, não houve no feito sob exame.
Mas, em arremate, consignou o Colendo Superior Tribunal de Justiça, que não é necessário acionar o seguro previamente para posterior liquidação da cédula rural, ante a autonomia da cédula pactuada, que pode ser exigida diretamente do devedor, se assim aprouver ao Banco.
Mathias Menna Barreto Monclaro.
Sócio do Escritório Cunha de Almeida, Hollanda & Monclaro – Advogados Associados.
Art. 10. A cédula de crédito rural é título civil, líquido e certo, transferível e de livre negociação, exigível pelo seu valor ou pelo valor de seu endosso, além dos juros, da comissão de fiscalização, se houver, e das demais despesas feitas pelo credor para a segurança, a regularidade e a realização de seu direito creditório.
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