A falsa noção de que a morosidade judicial permitiria a perpetuação de calotes: Ganhar ou perder tempo na justiça?

  • Por:Cunha de Almeida
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Por Mathias Menna Barreto Monclaro

 

Não é segredo que muitos devedores em território nacional imaginam que indefinidamente podem inadimplir suas obrigações. Certamente, essa noção histórica advém da morosidade judicial a inviabilizar a consecução do crédito perseguido.

Nesse sentido, a cultura do calote parece ter virado prática na vida de muitos brasileiros. Assim agem, ao equivocado pressuposto, como se verá adiante, de que jamais pagarão suas obrigações, posto terem se valido de mecanismos escusos para blindagem de patrimônio.

No entanto, deve-se ponderar que de forma diametralmente oposta àquela antiga ideia, os Tribunais pátrios, passando a aplicar o novo Código de Processo Civil, vigente desde março de 2016, passaram a atribuir eficácia muito maior e célere às execuções de títulos judiciais e extrajudiciais, permitindo aos credores alcançarem efetiva satisfação de seu crédito.

Dentre tais medidas, estão as já reconhecidas apreensões de CNH’s, passaportes, bloqueios de cartões de crédito, inclusão em cadastro de inadimplentes e de indisponibilidade de bens mas, para além dessas, outras inúmeras, dentre as quais a expedição de mandados de constatação e, mais, com as medidas de desconsideração da personalidade jurídica – inclusive em suas modalidades inversa, indireta e expansiva para atingir terceiras pessoas físicas e jurídicas que tenham se beneficiado dos atos fraudulentos – a satisfação executiva passou a estar afeta apenas à comprovação dos requisitos previstos na lei, com o que, a partir daí, passa a depender de mera questão temporal.

É nesse sentido, aliás, a orientação do Colendo Superior Tribunal de Justiça, quando, enfrentando caso concreto alusivo a dívida alimentar, cujo crédito era inadimplido há de mais de 24 (vinte e quatro) anos, assim se posicionou:

 

“(…) 2- O propósito recursal consiste em definir se é admissível o uso da técnica executiva de desconto em folha da dívida de natureza alimentar quando há anterior penhora de bens do devedor.

3- Diferentemente do CPC/73, em que vigorava o princípio da tipicidade dos meios executivos para a satisfação das obrigações de pagar quantia certa, o CPC/15, ao estabelecer que a satisfação do direito é uma norma fundamental do processo civil e permitir que o juiz adote todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, conferiu ao magistrado um poder geral de efetivação de amplo espectro e que rompe com o dogma da tipicidade.

4- Respeitada a necessidade fundamentação adequada e que justifique a técnica adotada a partir de critérios objetivos de ponderação, razoabilidade e proporcionalidade, conformando os princípios da máxima efetividade da execução e da menor onerosidade do devedor, permite-se, a partir do CPC/15, a adoção de técnicas de executivas apenas existentes em outras modalidades de execução, a criação de técnicas executivas mais apropriadas para cada situação concreta e a combinação de técnicas típicas e atípicas, sempre com o objetivo de conferir ao credor o bem da vida que a decisão judicial lhe atribuiu.

5- Na hipótese, pretende-se o adimplemento de obrigação de natureza alimentar devida pelo genitor há mais de 24 (vinte e quatro) anos, com valor nominal superior a um milhão e trezentos mil reais e que já foi objeto de sucessivas impugnações do devedor, sendo admissível o deferimento do desconto em folha de pagamento do débito, parceladamente e observado o limite de 10% sobre os subsídios líquidos do devedor, observando-se que, se adotada apenas essa modalidade executiva, a dívida somente seria inteiramente quitada em 60 (sessenta) anos, motivo pelo qual se deve admitir a combinação da referida técnica sub-rogatória com a possibilidade de expropriação dos bens penhorados.

6- Recurso especial conhecido e desprovido.

(REsp 1733697/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/12/2018, DJe 13/12/2018)

 

Merece destaque que as modalidades atípicas de persecução de crédito têm alcançado elevado êxito perante o Poder Judiciário. Exemplo disso, aliás, se vê em recente julgado, extraído do Colendo Superior Tribunal de Justiça, ao reconhecer a validade do redirecionamento da execução em virtude da formação de grupo econômico:

 

“1. A desconsideração da personalidade jurídica, embora seja medida de caráter excepcional, é admitida quando ficar caracterizado desvio de finalidade ou confusão patrimonial (CC/2002, art. 50).

  1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, uma vez ‘reconhecido o grupo econômico e verificada confusão patrimonial, é possível desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa para responder por dívidas de outra, inclusive em cumprimento de sentença, sem ofensa à coisa julgada’ (AgRg no AREsp 441.465/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/06/2015, DJe de 03/08/2015).
  2. Hipótese em que as instâncias ordinárias, examinando as circunstâncias da causa, consignaram estar demonstrada formação de grupo econômico, confusão patrimonial e fraude para frustrar a satisfação do crédito. A modificação desse entendimento demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória, assim como a interpretação de cláusulas contratuais, inviável em recurso especial (Súmulas 5 e 7 do STJ).
  3. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada e, em novo julgamento, conhecer do agravo para negar provimento ao recurso especial.”

(AgInt no AREsp 1635669/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 28/09/2020, DJe 20/10/2020)

 

Nesse espeque, interessante notar que em virtude da baixa taxa básica de juros (SELIC) aos investimentos bancários, passou a restar bastante desinteressante aos devedores contumazes a manutenção de seus débitos em seara judicial.

Apenas a título de comparação, merece observância o fato de que os títulos judiciais, executados no Estado do Paraná, sofreram variação positiva, no prazo de 01 (um) ano – isto é, de novembro de 2019 a novembro de 2020, considerando atualização monetária e juros de mora – no elevado patamar de 26,73% (vinte e seis inteiros e setenta e três centésimos por cento), o que se contrapõe, severamente, aos 3,21% (três inteiros e vinte e um centésimos por cento) da Taxa SELIC no período.

Releva notar, ainda, que muitos devedores valiam-se da morosidade judicial para, após reiteradas empreitadas inexitosas de persecução de crédito, ofertarem propostas invariavelmente muito inferiores ao quantum atualizado da dívida. No entanto, dadas as novas perspectivas do novo Código de Processo Civil, a aludida “estratégia” tem se mostrado frustrada, o que fez os devedores perceberem estarem “perdendo tempo”, ao invés de ganharem, como outrora acreditavam.

Por essas razões, resta claro que aquela antiga noção de que “dever” na justiça seria “bom ao devedor” está bastante ultrapassada, posto que, dados os meios coercitivos atípicos e, ainda, a severa divergência entre a taxa básica de juros com os índices judicialmente aplicados torna bastante complexa a posição do executado que não honra suas obrigações com brevidade.

 

Mathias Monclaro é advogado especialista em direito empresarial.

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