Por: Juliane Tedesco Andretta
Há muito tem se discutido se a insolvência do devedor originário é condição para a desconsideração da personalidade jurídica ou se esta prescindiria da demonstração de insolvência.
Oportuno destacar que está sedimentado pela jurisprudência que a mera insolvência do devedor não é capaz, por si só, de ensejar a desconsideração, mas seria a insolvência condição para a desconsideração?
Conforme Ganacin (2020, p. 102), para responder-se a esse questionamento, seria necessário analisar, se cuida-se de responsabilidade principal ou subsidiária.
Como lecionou o saudoso ex-Ministro Zavaski (2004, p. 236), a desconsideração seria causa de responsabilidade principal, que independe da insolvência da pessoa jurídica para implementar-se.
Noutro vértice, Bianqui (2011, p. 115), afirma que somente haveria interesse jurídico para pleitear-se a desconsideração quando o provimento a ser buscado lhe fosse útil, de modo que, apenas haveria interesse na desconsideração, quando se estivesse diante de hipótese de insolvência da pessoa jurídica.
Não obstante, como explica Ganacin (2020, p. 103), o interesse jurídico existe quando há utilidade do provimento, a qual configura-se na potencialidade da demanda de conferir ao demandante algum tipo de vantagem jurídica. Assim, uma vez a desconsideração consistindo na constituição de novo devedor para determinada obrigação, que culmina num maior acervo de bens a responder pelo inadimplemento, estar-se-ia diante de situação mais favorável ao credor, o que por si só, se materializa como vantagem jurídica para quem postula a desconsideração.
Desse modo, independente da condição patrimonial da pessoa jurídica devedora, estando solvente ou não, configurado o abuso da personalidade jurídica, terá o credor interesse em postular a desconsideração.
Os requisitos para a caracterização do abuso da personalidade jurídica estão dispostos no artigo 50, do Código Civil, que prevê ser necessária a comprovação da confusão patrimonial e do desvio de finalidade, para atingir-se o levantamento do véu da personalidade. Veja-se, que da simples leitura do dispositivo legal, pode-se compreender que este não exige a prova de insolvência do devedor, pelo que não pode ser considerado pressuposto para a desconsideração da personalidade jurídica.
Nessa mesma linha de ideias, Tartuce (2017, p. 189) afirma que não há necessidade de provar que a empresa está falida para que a desconsideração seja deferida, pois os parâmetros previstos no artigo 50 do Código Civil são apenas a confusão patrimonial e o desvio de finalidade.
Nesse ínterim, o entendimento uníssono firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi se consolidando, apresentando-se sedimentado no sentido de que, para fins de manejo do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, não há de se demonstrar a insolvência do devedor ou mesmo restarem cumpridas todas as diligências executivas, mas sim, apenas comprovar a existência de atos de confusão patrimonial e desvio de finalidade. Nesse contexto, soa interessante a seguinte passagem de recente julgado daquela Colenda Corte:
“RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CPC/2015. PROCEDIMENTO PARA DECLARAÇÃO. REQUISITOS PARA A INSTAURAÇÃO. OBSERVÂNCIA DAS REGRAS DE DIREITO MATERIAL. DESCONSIDERAÇÃO COM BASE NO ART. 50 DO CC/2002. ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESVIO DE FINALIDADE. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR. DESNECESSIDADE DE SUA COMPROVAÇÃO.
(…) 7. A inexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não é condição para a instauração do procedimento que objetiva a desconsideração, por não ser sequer requisito para aquela declaração, já que imprescindível a demonstração específica da prática objetiva de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
(…) É possível afirmar, ademais, que além de a constatação da insolvência não ser suficiente à desconsideração – para o caso do art. 50 do CC -, com mais razão a inexistência de bens do devedor não pode ser condição para a instauração do procedimento que objetiva aquela decretação.
Na verdade, pode a desconsideração da personalidade jurídica ser decretada ainda que não configurada a insolvência, desde que verificados o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, caracterizadores do abuso de personalidade.
(STJ. REsp. nº 1.729.554-SP. Rel. Min. Luis Felipe Salomão. Julgamento em 08.05.2018)”.
Importante pontuar, inclusive, que foi aprovado, para fins de pacificação da jurisprudência, o enunciado nº 281 do Conselho da Justiça Federal, em conjunto com o STJ, que assim disciplinou: “A aplicação da teoria da desconsideração, descrita no art. 50 do Código Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica”.
Portanto, como depreende-se da análise da doutrina e jurisprudência acima elencados, a insolvência do devedor originário, não é condição para a desconsideração da personalidade jurídica, de modo que, independentemente da condição patrimonial da pessoa jurídica devedora, configurado o abuso da personalidade jurídica, terá o credor interesse em postular a desconsideração.
REFERÊNCIAS
BIANQUI, Pedro Henrique Torres. Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2011.
GANACIN, João Cánovas Bottazzo. Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. São Paulo: Método, 2017.
ZAVASKI, Teoria Albino. Processo de execução. São Paulo: Revista do Tribunais, 2004.
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