Após o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral (Tema 1.199 — ARE 843.989), restou identificada a delimitação material acerca da retroatividade ou irretroatividade da Lei 14.230/21.
Em resumo, a citada legislação serviu a atualizar o diploma que trata da matéria de improbidade administrativa em território pátrio, estabelecendo mudanças severas no regramento vigente (Lei 8.429/92) há praticamente 30 (trinta) anos.
Após idas e vindas dos Tribunais pátrios, restou fixada, pela Suprema Corte, a tese de que: (i) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA a presença do elemento subjetivo (DOLO); (ii) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; (iii) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente e; (iv) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.
No que pertine ao tema eleito, o julgamento da Suprema Corte é interessante no seu item (iii), supra destacado, que aponta para a aplicação imediata da nova Lei aos casos ocorridos na vigência da Lei anterior, que ainda não tenham condenação transitada em julgado.
Nesse sentido, é relevante mencionar que temos presente um enorme volume de processos judiciais, visando impor condenação por ato de improbidade, certo que, em grande parte de referidos feitos, há, desde o petitório inicial, o pedido da Autoridade demandante, pela decretação da indisponibilidade patrimonial de demandados.
O fundamento eleito à tentativa de indisponibilizar o patrimônio dos Réus estava previsto no art. 7º da Lei 8.429/92, que, até a modificação legislativa, assim consignava: “Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.” Ainda, seguia o parágrafo único, ao estabelecer que: “A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.”
A partir da referida legislação, a jurisprudência pátria passou a entender que a mera existência de indícios de irregularidade na conduta do réu (fumus boni iuris) serviria à decretação da constrição patrimonial, sendo compreendido que o perigo da demora (periculum in mora) poderia ser presumido, o que permitia a perpetuação de medidas de indisponibilidade por longos anos, até a prolação da Sentença, como se vislumbra de caso julgado pelo E. TJPR ainda em 2020, na vigência da Lei anterior, quando os bens dos Réus estavam constritos há 18 (dezoito) anos, sem Sentença condenatória, naquele feito foi consignado que: “a ação tramita há mais de 18 (dezoito) anos sem que tenha sequer iniciado a fase instrutória, o que reforça a necessidade de revogação da medida constritiva excepcional, que perdeu sua natureza acautelatória, dada as peculiaridades do caso sub judice.”
Acrescentou, em sua fundamentação, que: “A indisponibilidade de bens por todos esses anos se mostra inarredavelmente onerosa violando o Princípio da Proporcionalidade e o valor jurídico da Razoável Duração do Processo, sobretudo quando ausente qualquer previsão de desfecho, seja em termos temporais ou quanto ao decreto condenatório por ato de improbidade administrativa.”
Interessante mencionar, porém, que a disposição legal que ensejava a manutenção “eterna” das medidas cautelares de indisponibilidade patrimonial restou revogada integralmente, ao passo em que as constrições aplicáveis aos casos em trâmite deverão respeitar, consoante definido pelo Excelso Pretório, a disposição dos novos parágrafos do art. 16 da Lei de Improbidade, que, dentre eles, assim disciplinou: “A indisponibilidade de bens poderá ser decretada sem a oitiva prévia do réu, sempre que o contraditório prévio puder comprovadamente frustrar a efetividade da medida ou houver outras circunstâncias que recomendem a proteção liminar, não podendo a urgência ser presumida. (…)”
Nesse sentido, aplicando-se o conteúdo do Tema 1.199/STF e, observando-se a disciplina expressa do artigo de Lei citado acima, tem-se que as medidas cautelares de indisponibilidade de bens apenas poderão ser deferidas quando existir grave risco de dissipação patrimonial, devendo serem imediatamente afastadas as medidas vigentes que tenham sido lastreadas em mera presunção de urgência, o que já está referendado pelo E. TJPR em recente julgado:
“(…) EXIGÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PERICULUM IN MORA – INEXISTÊNCIA NO CASO DE INDÍCIOS DE POSSÍVEL DILAPIDAÇÃO DO PATRIMÔNIO POR PARTE DOS REQUERIDOS, ORA AGRAVANTES – DECISÃO AGRAVADA REFORMADA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR – 5ª Câmara Cível – 0060546-68.2021.8.16.0000 – Iporã – Rel.: DESEMBARGADOR RENATO BRAGA BETTEGA – J. 12.12.2022)
Portanto, as antigas práticas processuais que permitiam a perpetuação de medidas cautelares de indisponibilidade patrimonial, após a entrada em vigor da nova legislação, deveriam ser imediatamente revistas, sob pena de causar prejuízo ao Réu que não intentar promover a prática atos de dissipação patrimonial no curso do processo, posto que deve ter liberdade para livremente administrar seu patrimônio enquanto não estiver condenado.
Nesse sentido, soa bastante coerente a lição dos Professores Gajardoni e Cruz: “Não há mais espaço para a presunção de dano ao patrimônio público a partir da existência de fortes indícios da prática de improbidade, pois que os dispositivos retro transcritos expressamente exigem ‘demonstração, no caso concreto, de perigo de dano, não podendo, ainda, a urgência ser presumida’. (…) No novo regime, para obtenção da cautelar de indisponibilidade do art. 16 da LIA, o Ministério Público precisará provar, para fins de obtenção da garantia, que o investigado ou acusado esteja a dilapidar ou intentar disposição de patrimônio (…).”
Tem-se, assim, ser recomendável e até mesmo necessária, inclusive de ofício pelos eminentes Magistrados, a imediata revisão de todas as medidas de indisponibilidade patrimonial fixadas em território nacional com base no periculum in mora presumido, em ações civis públicas por ato de improbidade administrativa, de modo a se afastar, pela aplicação da nova Lei, todos os bloqueios que indefinidamente estejam a impedir uma sobrevivência justa e digna àqueles que não estejam a tentar fraudar ou frustar o resultado útil do processo judicial em trâmite.
Mathias Menna Barreto Monclaro
Sócio do Escritório Cunha de Almeida, Hollanda & Monclaro – Advogados Associados
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo. Comentários à Nova Lei de Improbidade Administrativa. 5ª Ed. São Paulo, RT, 2021, p. 290/291.
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