Por: Juliane Tedesco Andretta
A possibilidade de constituição de sociedade holding familiar, tem alcançado relevância como um interessante instrumento de planejamento sucessório e patrimonial, eis que envolto de utilidade à organização patrimonial familiar e à continuidade empresarial, bem como de vantagens tributárias.
Não obstante, tem vem se observando mais recentemente, uma deturpação do instituto, com o fito de obtenção de vantagens ilícitas, através de blindagem de ativos e, até mesmo, de esvaziamento patrimonial. Nesse contexto, questiona-se, qual seria a resposta do direito para tanto. A constituição de holding com o intento fraudulento teria validade jurídica?
O termo holding é empregado para representar a sociedade que “detém, segura, sustenta e/ou controla bens e direitos” (cf. GARCIA, 2018, p. 10). Conforme Frattari (2023, p. 75),. No entanto, com o avanço do tempo e da sua utilização exacerbada, a expressão teria ganho interpretação mais ampla, pelo que passou também a ser entendida como uma empresa que, para além do controle de outras sociedades, é administradora de um patrimônio, sendo assim denominada de holding patrimonial. Segundo a citada autora, quando este patrimônio for de titularidade de uma família, a denominação utilizada será holding patrimonial familiar.
O tipo societário holding, encontra respaldo no artigo 2º, § 3º, da Lei nº 6.404/76, que autoriza que o objeto social de certas empresas seja, exclusivamente, a participação em outras empresas (MANGANELLI, 2017, p. 100).
Sem embargo. Contudo, a problemática que se destaca, reside na utilização de ditas sociedades com o intento fraudulento, com o objetivo de blindar e esvaziar o patrimônio, em prejuízo a eventuais credores.
O artigo 166, inciso VI, do Código Civil, ao dispor sobre a invalidade do negócio jurídico, determina que esse será nulo quando tiver por objetivo fraudar lei imperativa. Assim, na hipótese de constituição de holding familiar, com vistas à a blindar e esvaziar o patrimônio familiar, em prejuízo aos credores, há evidente violação às normas cogentes relativas ao direito das obrigações, previstas a partir do artigo 233 do Código Civil.
Nessa linha de ideias, como leciona Tartuce (2023), o exercício da autonomia privada é limitado, pelo que se deve observar as normas e preceitos vigentes, o que inclusive fora positivado pela Lei de Liberdade Econômica, em seu artigo 3º, inciso VIII.
Referido dispositivo prevê que dentre os direitos de liberdade econômica, há “a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes, de forma a aplicar todas as regras de direito empresarial apenas de maneira subsidiária ao avençado, exceto normas de ordem pública”.
Recentemente, o Colendo Superior Tribunal de Justiça houve por bem desconsiderar parcialmente a personalidade jurídica de uma dessas sociedades holdings, sendo que, no caso específico, a empresa estava sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, contudo, detendo a titularidade de um imóvel residencial situado no Brasil. Assim, ao avaliar as circunstâncias do caso concreto, aquela Colenda Corte houve por bem manter a superação do véu da personalidade, por reconhecer que a sociedade era mero anteparo à proteção patrimonial. Veja-se:
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE IMÓVEL UTILIZADO PARA INTEGRALIZAR O CAPITAL SOCIAL DE SOCIEDADE LIMITADA. ALEGAÇÃO DE RESIDÊNCIA POR UM DOS SÓCIOS, SENDO SÓCIA MAJORITÁRIA EMPRESA HOLDING COM SEDE NAS ILHAS VIRGENS BRITÂNICAS. PRINCÍPIOS DA AUTONOMIA PATRIMONIAL E DA INTEGRIDADE DO CAPITAL SOCIAL. ART. 789 DO CPC. ARTS. 49-A, 1.024, 1055 E 1059 DO CÓDIGO CIVIL. CONFUSÃO PATRIMONIAL. DESCONSIDERAÇÃO POSITIVA DA PERSONALIDADE JURÍDICA PARA PROTEÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA. LEI N. 8.009/90. INAPLICABILIDADE NO CASO DOS AUTOS.
(…)
(AgInt no AREsp n. 1.868.007/SP, relator Ministro Raul Araújo, relatora para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 30/3/2023.)
Do inteiro teor se extrai que:
“Ademais, em diversos casos, a pretensão de impedir a penhora mediante a invocação do instituto do bem de família encontra ainda obstáculo no princípio da vedação do venire contra facto proprium. Isso ocorre quando o imóvel é voluntariamente transferido ao patrimônio da pessoa jurídica para integralização da quota do sócio no capital da sociedade, ou dado em hipoteca ou alienação fiduciária para garantia de dívida.”
Veja-se que, uma vez identificada, nos termos do artigo 166, inciso VI, do Código Civil, a constituição de holding familiar, com o objetivo de fraudar lei imperativa, se estará diante de hipótese de desvio de finalidade, requisito apto a ensejar a desconsideração da personalidade jurídica, em consonância com o artigo 50 do supracitado diploma legal.
Como leciona Ganacin (2020, p. 52), “caso não seja utilizada propriamente para a organização e o desenvolvimento de atividades legítimas, mas para a realização de propósitos antijurídicos, estará a pessoa jurídica a desviar-se de sua finalidade como instituto, ensejando a desconsideração”.
Assim, uma vez havendo normas cogentes que determinam o adimplemento das obrigações, bem como que rechaçam a fraude contra credores, se está diante de hipótese de nulidade e consequente invalidade do negócio jurídico, quando da constituição de holding familiar com o intento de blindagem e esvaziamento patrimonial, para perpetuação do inadimplemento, em prejuízo dos credores. Ademais, cumpre pontuar, que uma vez caracterizado o desvio de finalidade, pela antijuridicidade do ato perpetrado, se estará diante de hipótese de desconsideração da personalidade jurídica.
REFERÊNCIAS
FRATTARI, Marina Bonissato. Limites e vantagens da holding patrimonial familiar como alternativa ao planejamento sucessório e patrimonial. 2023. 218 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Direito, Universidade Estadual Paulista, Franca, 2023.
GANACIN, João Cánovas Bottazzo. Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.
GARCIA, Fátima. Holding familiar: planejamento sucessório e proteção patrimonial. Maringá: Viseu, 2018.
MANGANELLI, Diogo Luís. Holding familiar como estrutura de planejamento sucessório em empresas familiares. Revista de Direito, [S. l.], v. 8, n. 02, p. 95–118, 2017.
TARTUCE, Flávio. As “holdings familiares” e o problema da invalidade – Parte I: fraude à lei e simulação. fraude à lei e simulação. 2023. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/2012/As+%22holdings+familiares%22+e+o+problema+da+invalidade+-+Parte+I%3A+fraude+%C3%A0+lei+e+simula%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 17 out. 2023.
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