No regime da separação de bens, o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário, concorrendo com os demais herdeiros?

  • Por:Cunha de Almeida
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Questão de recorrente discussão no direito das sucessões versa sobre o cônjuge sobrevivente ser ou não herdeiro necessário do falecido, concorrendo com os demais herdeiros quando o regime matrimonial eleito era o de de separação de bens.

A aparente pacificidade do tema não reflete a aprofundada e intensa discussão travada na doutrina e jurisprudência nacional.

Afinal, se os cônjuges decidiram, em vida, adotar o regime da separação de bens, no qual um não participa do patrimônio do outro, não seria justo que tal regramento também prevalecesse quando do falecimento de um deles?

A resposta ao tema envolve o enfrentamento das disposições eleitas no Código Civil Brasileiro, em especial em seus artigos 1.641, 1.687, 1.829, I, e 1.845, com olhar para a interpretação trazida pela jurisprudência pátria.

A partir do artigo 1.845, ao definir que são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge, espanca-se qualquer incerteza acerca da qualidade sucessória do cônjuge, como herdeiro necessário (assim compreendido como aquele que detém direito à partilha da legítima).

Porém, a discussão ganha diferentes contornos ao se verificar que o artigo 1.687 do referido Código Civil dispõe que “estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. Ou seja, se a administração e a livre disposição dos bens está na titularidade de um dos cônjuges, conforme pacto antenupcial celebrado especialmente para esse fim, tal estipulação não deveria prevalecer mesmo após o falecimento, pois tal não seria a vontade do cônjuge falecido?

Doutrinadores nacionais defendem essa posição, como é o caso dos Professores Miguel Reale e de Eduardo de Oliveira Leite, afirmando que desconsiderar a vontade manifesta das partes materializada no pacto antenupcial implicaria invalidar um ato jurídico formal, que produziu todos os efeitos durante a vida em comum do casal e, pois, não poderia deixar de valer após a morte de um de seus subscritores.

A questão, por óbvio, foi objeto de intensa discussão nos Tribunais pátrios, tendo o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em julgamento proferido por sua 2a Seção, em voto vencedor do Ministro Francisco Falcão, junto ao RESP 1.382.170/SP, na já longínqua data de 11.02.2015, definiu pela plena aplicabilidade da regra do artigo 1.841, I, do Código Civil, o qual dispõe que “a sucessão legítima defere-se (…) aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente”.

Ou seja, o entendimento prevalecente perante o Colendo Superior Tribunal de Justiça (o que se repete até os dias de hoje, vide REsp 1.844.229/MT, de 17/08/2021 e AgInt no REsp 1887930, de 18.05.2021) é no sentido de que o cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da separação convencional de bens, é herdeiro necessário do falecido, de modo que a partilha de seus bens se dá em concorrência entre os demais herdeiros e o cônjuge sobrevivente.

Essa orientação nem sempre foi unânime perante o Superior Tribunal de Justiça. O julgamento do próprio RESP 1.382.170/SP se deu por maioria de votos, tendo o Ministro Moura Ribeiro sido vencido em voto que contou com profunda fundamentação. O principal argumento daquele festejado magistrado foi no sentido de que a melhor interpretação do tema “é aquela que entende não ser possível a alteração dos efeitos jurídicos do regime matrimonial post mortem na separação convencional de bens, devendo ser mantida a coerência ante a vontade manifestada pelos cônjuges durante a vida em comum.

Aliás, antes do julgamento desse Recurso Especial, havia entendimento no mesmo sentido daquele exposto pelo Ministro Moura Ribeiro, conforme se deu, por exemplo, junto ao RESP 992.749/MS, da lavra da eminente Ministra Nancy Andrighi, em 01/12/2009, no qual prevaleceu a tese de que “não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte.

Porém, a disciplina que está a prevalecer é aquela trazida no antes referido RESP 1.382.170/SP, no qual se reconheceu que a definição da ordem da vocação hereditária é aquela fixada pelo legislador, a quem foi permitida a construção de “um sistema para a separação em vida diverso do da separação por morte”, ou seja “um sistema para a partilha dos bens por causa mortis e outro sistema para a separação em vida decorrente do divórcio”.

As exceções se dão quando o casamento tenha sido regido pelo regime da separação obrigatória de bens (p.ex. quando um dos cônjuges é maior de 70 anos), ou ainda no caso do falecido ter casado no regime da comunhão universal, bem como se  casado no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares (aqueles existentes antes do casamento ou percebidos por doação). A este último, vale o princípio de que aquele cônjuge que é meeiro, não é herdeiro sobre o mesmo patrimônio.

Ademais, é importante destacar que tais regramentos igualmente se aplicam aos casos de união estável, por força das decisões proferidas nos Recursos Extraordinários n. 646.721 e 878.694, nos quais foi reconhecida a inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros.

Desse modo, ao se pretender adotar o regime da separação de bens, no casamento ou na união estável, dever-se-á ter conhecimento da orientação jurisprudencial prevalecente, conforme acima exposto, recomendando-se a adoção de medidas visando o planejamento sucessório, se essa for a vontade dos cônjuges, com o que se poderá evitar delongadas discussões judiciais sobre o tema.

Seja como for, o que se percebe, atualmente, é que esse tema não tem sido suficientemente esclarecido à sociedade, uma vez que muitas pessoas sequer tem conhecimento sobre as efetivas consequências patrimoniais, decorrentes do falecimento do seu cônjuge ou companheiro.

“Estudos Preliminares do Código Civil”. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2003, pág. 63 (apud REsp 1.382.170/SP).

In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.) “Comentários ao Novo Código Civil”. Ed. Forense, São Paulo, 5a ed., 2009, v. XXI, pág. 277/278 (apud REsp 1.382.170/SP).

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