Millie Houlton, uma estudante universitária da cidade de York, na Inglaterra, usou de uma ferramenta de chatbot, contendo inteligência artificial (IA), para elaborar sua defesa de multa de trânsito, por ter estacionado seu veículo em local proibido. A defesa foi tão convincente, que a infração foi cancelada.
Viralizou, também, questão envolvendo ou Steven Schwartz, um advogado nos EUA, usou o ChatGPT para lhe ajudar na elaboração de um recurso de um cliente, Roberto Mata, que processou a empresa Avianca por ter machucado seu joelho num carrinho de serviço de bordo em voo realizado pela Companhia de aviação. O profissional foi repreendido pelo juiz da Corte de Manhattan, Peter Kevin Castel, por ter utilizado precedentes jurisprudenciais que não se tratavam de casos reais, mas de decisões inventadas pela ferramenta.
No Brasil, um advogado usou o ChatGPT para elaborar uma petição perante o Tribunal Superior Eleitoral – TSE e foi multado em R$ 2.604,00 (dois mil, seiscentos e quatro Reais), por litigância de má-fé, pelo Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral, Ministro Benedito Gonçalves, eis que, por ser advogado presumiu-se “seu pleno conhecimento da inadequação do material apresentado como suporte para intervir no feito”.
Frutíferos ou infrutíferos, esses são apenas alguns simples exemplos, que caíram em domínio público, do inexorável uso do ChatGPT no dia-a-dia da advocacia não apenas brasileira, mas também mundial.
Essa ferramenta foi criada pela OpenAI e está revolucionando muitos setores em todo o mundo, incluindo o jurídico. É apenas um dos modelos de linguagem de IA, que usa rede neural de grande escala para entender e gerar respostas em linguagem natural para perguntas e interações de conversação.
As possibilidades de sua utilização no campo jurídico são vastíssimas. Desde pesquisas, automação de documentos, correção de textos, análise e redação de contratos, a ferramenta ainda elabora petições (iniciais, intermediárias e recursos) e redige modelos de decisões judiciais de qualquer espécie.
Por curiosidade, vale ao leitor experimentar a inserção de solicitações como “elabore um contrato,” ou “redija uma petição inicial”, ou “profira uma sentença”, que em poucos segundos após a inserção do tema solicitado, obterá a “resposta” que demandaria minutos ou horas de trabalho de um profissional.
Não há limites à sua utilização, ainda mais por contar com 300 bilhões de palavras obtidas da internet, incluindo livros, artigos, sites e postagens e mais de 8 milhões de documentos, conforme afirma a empresa OpenAI.
Suas versões anteriores (GPT, GPT-2 e GPT 3.5), utilizavam dados gerados até setembro de 2021 e a sua versão atual, o GPT4 – acessado somente mediante assinatura e pagamento de 20 (vinte) dólares anuais e identificado como ChatGPT Plus –, é mais atualizado e detém melhores funcionalidades.
Não há dúvida que sua utilização se fará presente, cada vez mais, nos serviços jurídicos não apenas de advogados, como também de promotores, procuradores e juízes.
Tanto é verdade que o Ministro Villas Bôas Cueva defende a urgência da regulamentação de sua utilização perante o Poder Judiciário. Nos dizeres do Ministro, “há, sobretudo agora, com esses modelos de linguagem ampliada, de IA generativa, como os chatboxes [caso do ChatGPT], o risco de informações erradas, que possam conduzir as pessoas a conclusões erradas. E também o risco de que esses mecanismos ampliem desmesuradamente a desinformação, o que ameaça até mesmo os processos políticos da democracia”.
A afirmação resume, em grande parte, as preocupações da utilização desmedida e irrestrita da ferramenta, o que se dá a despeito de ainda não se ter uma previsão da regulamentação do uso da inteligência artificial, como o ChatGPT.
A propósito, soa relevante destacar que tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 2.338/2023, do Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG), sobre o uso da inteligência artificial no território brasileiro, a exemplo do que ocorre na União Europeia e nos Estados Unidos. Mas é uma regulamentação, que além da demora natural do trâmite de um projeto de lei, trata do uso da inteligência artificial em geral, e não sobre o seu uso no mundo jurídico.
Sobre sua utilização específica no Poder Judiciário, há discussão perante o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, no Procedimento de Controle Administrativo n. 0000416-89.2023.2.00.0000. No referido procedimento, o advogado Fábio de Oliveira Ribeiro pleiteou, inclusive com pedido liminar, que fosse proibido o uso do ChatGPT na confecção de atos processuais pelos Juízes brasileiros.
O pleito foi negado ao pressuposto de que não restou comprovado que a mencionada ferramenta é utilizada pelos magistrados brasileiros e que toda e qualquer iniciativa nesse sentido deverá ser objeto de prévia solicitação perante o CNJ, a exemplo do que orienta o artigo 10, da Resolução CNJ n. 332/2020.
Atualmente, o procedimento se encontra com vistas ao Departamento de Tecnologia da Informação e Comunicação do CNJ, para que ofereça manifestação técnica sobre o processado à luz dos atos normativos e regulamentares internos vigente que versam sobre a temática, especificamente, a Resolução n. 332, de 21 de agosto de 2020, e a Portaria n. 271, de 4 de dezembro de 2020.
Independentemente de todo o cenário regulamentar que ainda deverá ser desenvolvido, o que chama mais a atenção do tema na advocacia, é não apenas a insegurança no uso das informações disponibilizadas por tais utensílios – haja vista que despidas da confirmação de sua origem, assim como sem a segurança do respeito do adequado tratamento de dados, consoante a Lei nº 13.709/2018, da LGPD –, mas a consequência que se poderá causar na qualificação dos profissionais advogados.
Na advocacia, um dos principais diferenciais entre os profissionais é a forma com que lidam com o direito, seja de forma oral ou escrita. É, em tese, melhor profissional aquele que mais adequadamente gestiona a subsunção dos fatos às normas jurídicas, aos entendimentos doutrinários e às orientações jurisprudenciais, sempre atento a todos os detalhes e circunstâncias específicas.
Corre-se o risco de que o uso desmedido de ferramentas como o ChatGPT prejudique a capacidade argumentativa do advogado, que ao invés de criar a sua tese ou encontrar soluções para seus casos, passe a utilizar da Inteligência Artificial para fazer o seu trabalho. O perigo se potencializa na medida em que tais ferramentas apresentam justificativas amplamente convincentes, mesmo que fundadas em informações falsas, equivocadas e sem comprovação de sua origem.
E pior, num país em que o “analfabetismo funcional”, entre universitários, é de 38%, conforme informações do INAF – Índice Nacional de Analfabetismo Funcional), o “atalho” dos chatbots para a elaboração de petições, contratos, artigos e documentos de qualquer natureza, pode causar danos enormes à formação e, consequentemente, à atuação dos profissionais que estão por vir.
Assim, muita cautela é pouco na utilização de tais ferramentas na advocacia, sendo sua regulamentação medida urgente e necessária.
Pedro Ivan Vasconcelos Hollanda – Advogado
Formado pela Universidade Federal do Paraná no ano de 2000. Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seccionais do Paraná e Santa Catarina, sob nºs 29.150 e 33.706-A. Pós-graduado em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC/PR ano de 2005. Mestre em Direito das Relações Sociais, pela Universidade Federal do Paraná, 2008 (Dissertação: “Os grupos societários como superação do modelo tradicional da sociedade comercial autônoma, independente e dotada de responsabilidade limitada”). Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito da UniCuritiba (2011). Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Paraná, entre os anos de 2010 e 2015. Membro do Instituto dos Advogados do Estado do Paraná. Cursou, nos anos recentes, extensões nas áreas de Direito Civil e Sucessório. Árbitro pela ARBITAC. É membro da Comissão de Direito das Sociedades de Advogados da OAB/PR entre os anos de 2022 a 2023.
“Chatbot é um software que trabalha e gerencia as trocas de mensagens simulando uma conversa humana. Também são chamados por outros nomes, como assistentes virtuais, agentes virtuais ou simplesmente bot” (https://globalbot.com.br/chatbot-o-que-e/)
https://autopapo.uol.com.br/curta/inteligencia-artificial-recurso-multa e https://mundoconectado.com.br/noticias/v/32975/chatgpt-ajudou-aluno-a-criar-defesa-perfeita-contra-multa-que-foi-anulada
https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2023/05/28/advogado-chatgpt.htm?cmpid=copiaecola. “O processo estava para ser arquivado, quando um dos advogados de Mata, Steven A. Schwartz, entrou com um recurso, citando vários casos semelhantes ao dele em um documento de dez páginas. Havia menção a casos como Martinez v. Delta Air Lines, Zicherman v. Korean Air Lines e Varghese v. China Southern Airlines. O primeiro nome seria do sobrenome do autor da ação contra as empresas aéreas envolvidas. De acordo com registros na corte de Manhattan, nos EUA, o advogado Schwartz diz ter até perguntado ao ChatGPT se esses casos eram reais antes de colocá-los no documento, e o chatbot respondeu que sim, e que eles poderiam ser achados em “bases de dados jurídicas de reputação. O problema é que nem o juiz do caso nem os advogados da Avianca conseguiram achar registros desses processos citados no recurso. No fim das contas, todos foram inventados pelo chatbot e o advogado Schwartz pediu desculpas por ter confiado no ChatGPT para escrever o recurso. Nos próximos dias, o juiz do caso deve decidir se as pessoas envolvidas devem receber algum tipo de punição ou não”.
https://www.nytimes.com/2023/06/08/nyregion/lawyer-chatgpt-sanctions.html
Trata-se do processo Aije 0600814-85.2022.6.00.0000( https://www.migalhas.com.br/quentes/385080/advogado-usa-chatgpt-em-peticao-e-e-multado-pelo-tse–fabula )
https://www.migalhas.com.br/arquivos/2023/4/96482C8B855BCD_decisao-tse-advogado-chatgpt.pdf
OpenAI é um laboratório de pesquisa de inteligência artificial (IA) estadunidense que consiste na organização sem fins lucrativos OpenAI Incorporated (OpenAI Inc.) e sua subsidiária com fins lucrativos OpenAI Limited Partnership (OpenAI LP). A OpenAI conduz pesquisas de IA com a intenção declarada de promover e desenvolver uma IA amigável. Os sistemas OpenAI são executados no quinto supercomputador mais poderoso do mundo.[2][3][4] A organização foi fundada em São Francisco, Califórnia em 2015 por Sam Altman, Reid Hoffman, Jessica Livingston, Elon Musk, Ilya Sutskever, Peter Thiel, entre outros,[5][6] que coletivamente prometeram injetar US$ 1 bilhão no laboratório. Musk renunciou ao conselho em 2018, mas permaneceu como investidor. A Microsoft forneceu à OpenAI LP um investimento de US$ 1 bilhão em 2019 e um segundo investimento plurianual em janeiro de 2023, estimado em US$ 10 bilhões
Parte dessa definição foi dada pelo próprio ChatGPT ao ser questionado, junto ao sítio chat.openai.com “o que é ChatGPT”.
https://www.remessaonline.com.br/blog/gpt-4/
https://www.conjur.com.br/2023-mai-25/ia-traz-riscos-requer-marco-regulatorio-villas-boas-cueva
https://www.conjur.com.br/2023-mai-25/ia-traz-riscos-requer-marco-regulatorio-villas-boas-cueva
“Art. 10. Os órgãos do Poder Judiciário envolvidos em projeto de Inteligência Artificial deverão:
I – informar ao Conselho Nacional de Justiça a pesquisa, o desenvolvimento, a implantação ou o uso da Inteligência Artificial, bem como os respectivos objetivos e os resultados que se pretende alcançar;
II – promover esforços para atuação em modelo comunitário, com vedação a desenvolvimento paralelo quando a iniciativa possuir objetivos e resultados alcançados idênticos a modelo de Inteligência Artificial já existente ou com projeto em andamento;
III – depositar o modelo de Inteligência Artificial no Sinapses.”
https://www.conjur.com.br/2023-jun-08/senso-incomum-analfabetismo-funcional-direito-texto
Uma Resposta para “O CHATGPT NA ADVOCACIA – CAUTELA E REGULAMENTAÇÃO”
Excelente artigo! Parabéns Dr. Pedro.