Os desentendimentos relativos à divisão de bens entre os herdeiros podem acarretar anos de litígio, desgastando a relação interpessoal e, até mesmo, quebrando laços de afeição entre parentes próximos. Com a má administração de bens, advém a possibilidade de dilapidação do patrimônio, assim como o controle societário de empresa familiar recair sobre pessoa que não possua expertise para o exercício do encargo, comprometendo a renda de todos os envolvidos no negócio e seus dependentes.
Para evitar tais situações e garantir a celeridade na transferência de bens aos herdeiros, podem ser adotadas medidas, ainda em vida, objetivando organizar o patrimônio que será alvo de sucessão. A esse respeito, por meio de um planejamento sucessório bem estruturado permite-se que a vontade do testador seja respeitada após a sua morte.
Nesse contexto, o planejamento sucessório possibilita a organização patrimonial, nos limites da lei, sobre questões específicas, como, por exemplo, a destinação de bens e quem poderá usufruí-lo. Nesse sentido, mesmo pessoas fora da ordem de sucessão, ou seja, que naturalmente não receberiam herança ou legado, poderão ser beneficiadas, por mera liberalidade de quem buscou dar um destino específico a parte de seus bens, a
chamava parte disponível.
Sobre o tema, deve-se consignar que um dos principais instrumentos de organização patrimonial sucessória é o testamento, o documento pelo qual o testador define a destinação de seus bens para após a sua morte, podendo ser formalizado de forma privada ou pública. Tal alternativa às regras de sucessão básicas previstas no Código Civil, em conjunto com outros dispositivos legais, pode, inclusive, estabelecer forma de organização da sucessão patrimonial, adaptando regras ao caso específico, buscando satisfazer as necessidades peculiares de cada família ou testador.
Para que seja lavrado o testamento, isto é, a declaração de sua última vontade, deve o testador possuir capacidade para dispor de seus bens, ainda que parcialmente, e as testemunhas devem cumprir os requisitos legais, a fim de dar validade ao ato. Há várias formas de testamento, sendo consideradas como ordinárias a forma pública, privada e a cerrada. Primeiramente, na forma pública do testamento, que, ao ser devidamente lavrado, sua existência será de fácil constatação pelo website do Colégio Notarial do Brasil!
Além disso, sua lavratura se faz por autoridade notarial legalmente constituída, reduzindo as chances de eventuais nulidades. É importante destacar que o testamento público é sigiloso, de forma que, somente é possível tomar conhecimento da existência do testamento e não seu conteúdo: o qual só será revelado após o falecimento do testador e com a apresentação de documentos junto ao cartório.
Por outro lado, no testamento privado, o conhecimento de sua existência pelos herdeiros, pode ser dificultosa, prejudicando, assim, o seu cumprimento. Essa modalidade ocorre sem a presença de autoridade notarial e, para sua validade, deve ser realizada sua leitura e assinatura por pelo menos três testemunhas, que atribuirão legitimidade ao documento.
Já o chamado testamento cerrado, apesar de ser considerado um testamento privado, ocorre quando o testador escreve seu testamento e o afirma ao tabelião, pedindo sua aprovação sem divulgar o conteúdo. O tabelião limita-se a colocar tais declarações em um envelope, que será costurado em suas laterais e lacrado, antes de ser devolvido ao testador. Assim, via de regra não há cópia ou registro das declarações do testador, muito menos consta no sistema do Colégio Notarial. Sua utilização é pouco recomendada tendo em vista que, além de possibilidade de descumprimento por não haver registros de sua existência, em caso de constatação de qualquer violação ao envelope, acarreta-se integralmente sua nulidade.
Ressalte-se, ainda, que a possibilidade de decidir sobre a destinação do patrimônio para depois de sua morte é uma brecha concedida pelo Estado a fim de respeitar o princípio da autonomia das vontades. No entanto, a liberalidade do testador, em qualquer das modalidades de testamento, deve observar o limite de 50% (cinquenta por cento) de seu patrimônio quando existentes herdeiros necessários, sendo a outra metade sujeita às regras da ordem de sucessão dispostas no Código Civil Brasileiro. Somente quando não há herdeiros necessários é que o testador poderá dispor de todo o seu patrimônio.
A sucessão, dessa forma, pode ser separada em duas partes: (i) a sucessão legítima, na qual metade da herança será destinada aos herdeiros legais; e (ii) a sucessão testamentária, na qual o testador poderá dispor até a metade disponível de seu patrimônio para instituir herdeiros testamentários – que recebem uma fração dos bens – ou legatários, que são aquelas pessoas que recebem o chamado “legado”, ou seja, bens específicos apontados pelo testador.
Por ser uma declaração de última vontade, o testamento é um instrumento técnico que deve ser elaborado na forma da lei para ter validade. Naturalmente, um testamento pode ser atualizado ou renovado por meio de novo testamento, em caso de mudança substancial de patrimônio ou da vontade do testador. Nessa situação, se algum bem ficar fora do testamento, deverá ser partilhado conforme o disposto no Código Civil, obedecendo às regras de ordem sucessória.
Uma figura que se destaca nesse instrumento jurídico é o testamenteiro, pessoa escolhida pelo testador para fazer cumprir suas vontades, mediante contraprestação de um prêmio, que será de um a cinco por cento, arbitrado pelo juiz, caso não haja disposição específica dada pelo testador. Para isso, o testamenteiro possui diversas responsabilidades, como apresentar o testamento em juízo para que seja cumprido, observar as disposições testamentárias e seus prazos, prestar contas de valores gastos na execução do testamento, entre outros.
Como se nota, o testamento possibilita que o testador decida sobre a destinação do seu patrimônio e cuide, financeiramente, de pessoas por ele consideradas importantes, mesmo que não sejam herdeiras legais, podendo se valer de atos discricionários para reestruturar a partilha de seus bens. Para garantir a subsistência digna dessas pessoas após o seu falecimento, o testador, além de conceder bens e direitos a quem quiser, pode impor condições para recebimento de tais bens, valendo-se de premissas usuais em negócios jurídicos para subordinar o recebimento da herança a determinados encargos.
Outra característica importante é a possibilidade, por meio de testamento, de organizar questões não patrimoniais que possam trazer efeitos patrimoniais futuros, como por exemplo, reconhecer filho concebido fora do casamento, nomear tutor para filhos menores em caso de morte dos pais, instituir bem de família com fim de proteger sua moradia de eventuais penhoras e até mesmo reabilitar herdeiro “indigno”, ou seja, que foi
excluído da sucessão por atos graves contra o sucessor.
Por fim, de forma a obter a organização patrimonial sucessória, outros instrumentos podem ser somados ao testamento, ampliando o leque de possibilidades para tal, como a utilização de partilha em vida por meio de doações – adiantamento de legítima – e, até mesmo, constituição de Holding Familiar, criada justamente com o intuito de gerenciamento e manutenção do patrimônio de uma família. Do mesmo modo, um empresário pode garantir uma boa transição do comando de empresas, mantendo tradições e prosperidade aos herdeiros, ensejando um planejamento sucessório
empresarial.
Seja como for, as premissas ora mencionadas podem e devem ser amplamente utilizadas, devido à relevância do direito de decidir sobre o patrimônio
amealhado que, na maioria dos casos, é fruto do trabalho árduo de uma vida inteira, ocasionando garantia de qualidade de vida aos beneficiários e menos riscos para a continuidade da prosperidade familiar.
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