Neste ano de 2022 completam-se 20 anos da promulgação da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que redesenhou o basilar Código Civil Brasileiro.
Resultado de décadas de tramitação no Congresso – o projeto original foi elaborado entre 1969 e 1975 por uma Comissão de Juristas, encabeçada por Miguel Reale –, o novo Código Civil foi uma necessária atualização de um texto obsoleto.
A despeito de ter demandado longos debates legislativos, ocasionando uma longa tramitação e diversas propostas de emendas, tendo por base uma realidade bem diversa daquela da sua publicação, é preciso reconhecer que o Código Civil de 2002 garantiu um modelo de justiça mais igualitário, muito por conta da promulgação da Constituição Federal, em 1988.
O então novo Código representou significativos avanços e mudanças na seara do Direito Privado brasileiro, isso porque a família, os contratos, a sucessão e a propriedade foram englobados pelo corpo constitucional, todos sob o prisma da dignidade da pessoa humana, que passou a ser o centro do ordenamento jurídico, tendo o Estado assumido como finalidade a busca pela justiça material.
Inúmeros foram os temas abordados ao longo dessas últimas duas décadas na seara do direito privado protagonizados pelo texto do Código de 2002. Entre eles, a igualdade, nos regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros 1 , a possibilidade de relações homoafetivas 2 , a multiparentalidade 3 , o arcabouço protetivo da mulher 4 , entre outros aspectos já consolidados na sociedade.
Normas como o Estatuto da Pessoa com Deficiência também foram criadas, alterando a ideia que praticamente negava qualquer capacidade dessas pessoas, anulando-as do convívio social e do direito de manterem uma vida digna. Além da legislação, mais recentes, de liberdade econômica, promulgadas durante a pandemia, desburocratizando alguns procedimentos relativos atividades que promovam desenvolvimento econômico, geração de emprego e investimentos.
Nessa perspectiva de constante atualização, merece especial destaque as Jornadas de Direito Civil, iniciadas antes mesmo da entrada em vigor da então nova lei, o que só ocorreu em janeiro de 2003. A partir do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ-CJF) passou a promover eventos que reúnem magistrados, acadêmicos e outros especialistas para debater e aprofundar a compreensão de seus dispositivos.
Como dito, no atual contexto de pandemia, a necessidade de constante atualização da interpretação do Código Civil, dadas as mudanças sociais e econômicas, se acentuou, levando a uma importante atuação das Cortes de Justiça no sentido de garantir uma leitura a luz da realidade que se impôs.
No Legislativo, inúmeras propostas que alteram o Código Civil caminham nesta esteira, visando atualizar o texto.
Entre elas, a Facilitação da alteração do regime de bens, a partir do Projeto de Lei (PL) nº 2.569/2021; o Direitos dos animais, que, pelo PL nº 27/2018, se cria regime jurídico especial para os animais, não podendo mais serem considerados “bens móveis”; e, ainda, a Personalidade jurídica para condomínios, considerada pelo PL nº 3461/2019, que concedeu personalidade jurídica aos chamados “condomínios edilícios”, aqueles que têm ao mesmo tempo área privativa do morador e áreas comuns compartilhadas.
Passados todos esses anos, certamente a defasagem entre as normas e a realidade, que já existia, foi se aprofundando, especialmente pela velocidade das mudanças experimentadas pela sociedade, seja do ponto de vista tecnológico, seja do ponto de vista social.
Esse contexto acentua a necessidade de novas revisões do texto, seja do ponto de vista legislativo (a partir da renovação da legislação), seja a partir das Cortes de Justiça (pela constante atualização de suas leituras jurisprudenciais).
Certamente os próximos 20 anos de Código Civil serão igualmente repletos de novos delineamentos acerca das temáticas de Direito Privado, permitindo constantes complementações do texto, necessárias a garantia do preceito constitucional de efetividade da Justiça no Brasil.
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1 Pelos RE 878.694 e RE 646.721, que fixaram a tese de que: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”
2 Pela ADI nº 4277 e pela ADPF nº 132. A ADI nº 4277 buscava reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, com os mesmos direitos e deveres dos casais heterossexuais. A ADPF nº 132 argumentava que o não reconhecimento feria os preceitos fundamentais da igualdade e liberdade, e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos previstos na Constituição Federal.
3 Pelo RE 898.060, com repercussão geral reconhecida (Tema 622), sobre a possibilidade de prevalência da paternidade socioafetiva em relação à biológica, fixando contornos acerca da multiparentalidade.
4 Com a alteração das noções de incapacidade relativa oriundas do texto do Código Civil de 1916, dando à mulher plena capacidade para realização de todos os atos da vida civil
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