O entendimento do STJ: fidelidade não é essencial para o reconhecimento da união estável

  • Por:Cunha de Almeida
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Desde seu estabelecimento no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, o instituto da união estável gera diversas discussões, seja a respeito dos requisitos para sua constituição, o regime a ser adotado, suas limitações, bem como os eventuais impeditivos legais relativos aos companheiros que a formam.

Nesse ínterim, uma das questões a ocasionar debates no âmbito do Judiciário é a possibilidade de reconhecimento de união estável nas hipóteses em que se constata a ausência de fidelidade entre os companheiros.

A referida situação foi novamente enfrentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, em recente julgamento ocorrido perante 3ª Turma da Corte, datado de 08 de novembro de 2022, no Recurso Especial nº 1974218/AL, de relatoria da Excelentíssima Ministra Nancy Andrighi.

Em concreto, o julgamento versava sobre o reconhecimento da união estável existente entre um homem e a senhora com quem viveu uma relação extraconjugal.

Ao final, o colegiado entendeu que o eventual descumprimento dos deveres de lealdade e/ou de fidelidade não implicam, necessariamente, na ruptura do vínculo conjugal criado. Ou seja, a existência ou observância dos referidos aspectos não é elemento essencial para a configuração da união estável.

O julgamento em questão ressaltou, sobretudo no voto da Relatora, que a imprescindibilidade para o reconhecimento da união estável reside, fundamentalmente, na convivência pública, contínua e duradoura, com objetivo de constituição de família, atrelado ao fato de não estarem presentes os impedimentos ao casamento.

A conclusão por tal entendimento baseou-se pela seguinte associação lógica, nas palavras da Eminente Ministra Nancy Andrighi: “Se o descumprimento dos deveres de lealdade ou fidelidade não necessariamente implicam em ruptura do vínculo conjugal ou convivencial, somente se pode concluir que a pré-existência ou observância desses deveres também não é elemento essencial para a configuração de união estável.”

Ao analisar os fatos narrados nos Autos, a Ministra Relatora considerou que, mesmo em se verificando a significativa prole do companheiro (cerca de 23 – vinte e três – filhos), bem como as numerosas relações extraconjugais mantidas por ele, constatou-se que todos os laços constituídos fora do casamento foram esporádicos e sem o propósito de constituição de família.

Para além desse fator, a própria noção de fidelidade e de lealdade poderá variar, a partir do pactuado entre os companheiros, devendo ser devidamente confirmados a partir do caso concreto, isto é, da realidade que vier a ser estipulada por cada casal, a quem caberá, nas palavras da Relatora, “soberanamente, definir exatamente o que pode, ou não, ser considerado um ato infiel ou desleal no contexto de sua específica relação afetiva, estável e duradoura.”

No entanto, seguindo o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça em outros casos, ressaltou-se que referida decisão não autoriza o reconhecimento de uniões estáveis simultâneas, concomitantes ou paralelas, em respeito ao princípio da monogamia, sacramentado pela Corte.

Portanto, afastar as noções de lealdade e fidelidade para reconhecer a existência de união estável não contradizem a jurisprudência do C. STJ, na medida em que as relações estáveis e duradoras, ocorridas de forma sucessivas, ou seja, iniciadas uma após a outra, considerando a existência de separação de fato na primeira, bem como atrelado ao fato de as eventuais relações extraconjugais serem esporádicas, eventuais, não afetivas e não duradouras, não são suficientes para impedir a configuração da união estável.

Ainda, a Eminente Relatora ressalta que, a despeito de o art. 1.571 do Código Civil1 não prever a hipótese de separação de fato2 como uma das situações nas quais se possa dissolver a sociedade conjugal, referido fato tem impacto direto, produzindo efeitos no mundo jurídico, como, por exemplo, “a cessação dos deveres de coabitação e de fidelidade recíproca, cessação do regime de bens e fato suficiente para fazer cessar a causa impeditiva de fluência do prazo prescricional entre cônjuges e conviventes”.

O que se tem, em verdade, é um entendimento a partir do qual se conclui que, em inexistindo separação de fato, mas tão somente rupturas momentâneas, seguidas de reconciliações, essas demonstradas por acervo de fatos e provas, levam a possibilidade de manutenção da união estável e seus efeitos.

Situação essa – da quebra de fidelidade – é distinta daquela prevista no §1º do art. 1.723 do Código Civil3, ressaltou a Ministra Nancy Andrighi. Isso porque não se está a tratar das hipóteses de impedimento ao casamento ou a união estável, tendo em vista a inexistência de relações contínuas de forma simultâneas.

Percebe-se, portanto, que o tema da união estável ainda movimenta o cotidiano dos Tribunais, que buscam, a cada caso concreto, dar resposta às diversas situações possíveis, garantindo plena aplicabilidade ao instituto, que, a despeito de ter sido reconhecido plenamente na Constituição de 1988, ainda carece de legislação mais atualizada, tendo o balizamento tão somente pela Lei 8.971, de 1994, e pela Lei 9.278, de 1996.

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1 Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:

I – pela morte de um dos cônjuges;

II – pela nulidade ou anulação do casamento;

III – pela separação judicial;

IV – pelo divórcio.

2 Conceitualmente, o entendimento acerca da separação de fato é a livre decisão dos cônjuges ou companheiros em encerrar a sociedade conjugal, mas sem recorrer a meios legais próprios. Nesse caso, permanecem com o estado civil de casados (em sendo o caso), mas sem os direitos, deveres e efeitos da comunhão.

3 Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

  • A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente
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