HOLDING PATRIMONIAL REALMENTE PROTEGE OS BENS?

  • Por:Cunha de Almeida
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A criação de holdings patrimoniais é frequentemente recomendada como forma legítima de planejamento sucessório, organização societária e otimização tributária. No entanto, o uso desse instrumento como blindagem contra dívidas já constituídas tem sido cada vez mais desafiado judicialmente.

Esse termo, “holding”, adentrou no ordenamento jurídico brasileiro na década de 70, com a edição da Lei nº 6.404/1976 ( Lei das Sociedades por Ações), que trata em seu artigo 2º, § 3º que “a empresa pode ter por objetivo participar de outras empresas”.

Nesse norte, Nelson Eizirik[1] conceitua as empresas holdings:

O § 3º admitiu expressamente a existência das Holdings, isto é, companhias cujo objeto social consista na participação em outras sociedades. Tais sociedades são usualmente divididas em Holdings puras, aquelas cuja participação em outras empresas constitui o único e exclusivo objetivo, e holdings mistas, que, não obstante participarem do capital de outras sociedades, também podem exercer, diretamente, alguma atividade operacional.”

Apesar da conceituação das holdings na forma da Lei Societária, tal instituto passou a ser rotineiramente utilizado por famílias empresárias que, amparadas de seus advogados e contadores, utilizam de tal estrutura para a prometida “blindagem” de seus bens particulares.

Nos tribunais, todavia, o que se observa é que a proteção prometida pela holding patrimonial é facilmente superada quando existem indícios de abuso de personalidade jurídica, sobretudo por meio da chamada confusão patrimonial. Na prática, bens inseridos em holdings são alcançados por decisões judiciais quando configurado que a empresa foi constituída com finalidade de frustrar credores.

A promessa de proteção e o alerta dos especialistas

A advogada Aryane Braga Costruba[2] alerta que, apesar das vantagens, “a confusão patrimonial pode levar à desconsideração da personalidade jurídica e a riscos financeiros” mesmo para os herdeiros de boa-fé. Segundo ela, o uso indevido da holding como forma de retirar os bens do nome de um devedor, visando evitar a responsabilização, é prática que já tem sido repelida pelo Judiciário​.

No mesmo sentido, Rafael Guimarães e Richard Jamberg[3] observam que a blindagem patrimonial normalmente envolve “a atribuição da titularidade formal da propriedade a interpostas pessoas”, rompendo o vínculo entre o devedor e os bens, e tornando difícil a constrição patrimonial. Porém, essa separação pode ser superada se for identificado o elo oculto, como ocorre, por exemplo, com contratos de mandato usados para manter o controle sobre bens em nome de terceiros​.

A “boneca russa” e o uso de múltiplas camadas de proteção

Em artigo publicado no Migalhas[4], Guilherme Barros e Danilo Faria Abrão Teixeira desenvolveram a metáfora da matrioshka” societária para tratar da sucessão de holdings interpostas entre o devedor e os bens. Como explicam, “não importa quantas bonecas idênticas sejam colocadas entre a primeira e a última, é com a inclusão desta no polo passivo da execução que o ilícito será superado“. Por isso, defendem a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica per saltum, ultrapassando múltiplas camadas artificiais criadas com o objetivo de dificultar a responsabilização​.

Todos esses demonstrativos servem a comprovar a falácia de muitos operadores do direito, no sentido de que a holding é um instrumento seguro à proteção dos bens familiares.

Jurisprudência: TJPR afasta a blindagem quando há indícios de fraude

Esse movimento doutrinário encontra respaldo cada vez mais sólido na jurisprudência dos tribunais estaduais. O Tribunal de Justiça do Paraná tem reiteradamente reconhecido a invalidade de estruturas de holding patrimonial criadas com intuito de blindagem indevida.

Exemplo 1 – Confusão patrimonial e desconsideração no mérito

No Agravo de Instrumento nº 0096449-96.2023.8.16.0000, a 15ª Câmara Cível do TJPR manteve a decisão que desconsiderou a personalidade jurídica da empresa STV Holding S.A., ao verificar que a empresa vinha quitando despesas de sociedade executada sem qualquer justificativa ou vínculo contratual aparente, caracterizando confusão patrimonial:

“A sócia majoritária vinha, a partir da conta da pessoa jurídica (holding), quitando despesas da sociedade devedora sem o devido reembolso ou demonstração de contraprestação, ou seja, com evidente confusão patrimonial.”​

A Corte reconheceu a confusão e o desvio de finalidade, desconsiderando a autonomia patrimonial da holding.

Exemplo 2 – Arresto antecipado por indícios de ocultação

No Agravo de Instrumento nº 0083267-43.2023.8.16.0000, julgado pela 13ª Câmara Cível, o TJPR manteve o arresto cautelar de bens de uma holding constituída dias após a tentativa de citação do sócio em ação executiva. O tribunal entendeu que a constituição da empresa e a transferência de bens logo após a ciência da dívida indicavam tentativa de esvaziamento patrimonial:

A contranotificação do executado ocorreu em 14/06/2023; a execução foi proposta em 15/06/2023; e a empresa Agravante foi constituída em 21/06/2023, com a transferência dos bens recebidos no acordo sucessório. […] Estão presentes a probabilidade do direito alegado e o perigo de dano em prejuízo dos agravados que justificam a concessão da medida.”​

Ainda que o mérito da desconsideração estivesse pendente, a Corte autorizou o bloqueio de veículos registrados em nome da holding, destacando que a medida não era irreversível e se fazia necessária para garantir a efetividade do processo executivo.

Desconsideração da personalidade e abuso do poder de controle

No artigo “Matrioshka e desconsideração per saltum da personalidade jurídica”, já citado anteriormente, os autores ressaltam que, mesmo nas sociedades anônimas, o acionista controlador que se utiliza de pessoas jurídicas interpostas pode ser responsabilizado quando há desvio de finalidade ou confusão patrimonial. E mais: defendem que a autonomia da holding sem operação própria — cujo único objetivo é deter ações ou imóveis em nome de seus sócios — não deve servir como escudo. Assim, propõem a superação dessas camadas jurídicas artificiais com base no art. 50 do Código Civil​.

O elo oculto: contratos de mandato e sócios ocultos

Como destaca Rafael Guimarães, o grande desafio na execução contra devedores que usam blindagem patrimonial é localizar o “elo oculto” entre eles e os bens. Um dos mecanismos mais usados, segundo o autor, é o contrato de mandato, que permite que o devedor continue a administrar os bens, embora estejam em nome de terceiros ou de holdings familiares.

Casos concretos citados pelo autor revelam estruturas sofisticadas com uso de familiares, empresas recém-criadas e mandatos públicos outorgados para manter o controle, dificultando a execução judicial. Entretanto, uma vez identificadas essas práticas, os juízes têm reconhecido o abuso e deferido a desconsideração, inclusive na forma expansiva ou inversa​.

Conclusão: holding patrimonial exige boa-fé, não protege devedores

Diante de tudo isso, a conclusão é clara: a holding patrimonial é formalmente legítima e útil, mas não serve como instrumento eficaz de blindagem para quem já possui passivos financeiros. O uso indevido, com transferência de bens sem causa aparente, movimentações suspeitas ou controle oculto, expõe a empresa à desconsideração e seus ativos à constrição judicial.

Assim, para que a holding cumpra sua função legítima — como ferramenta de planejamento sucessório e gestão patrimonial — é essencial que:

  • Seja criada com antecedência e não após a constituição de dívidas;
  • Haja transparência na separação patrimonial;
  • Os atos de seus sócios sejam compatíveis com a autonomia da pessoa jurídica;
  • A empresa tenha substância operacional mínima, e não seja mera fachada.

Em suma, a holding patrimonial protege, sim — mas somente quando há boa-fé e ausência de intenção de fraudar terceiros.

 

MATHIAS MENNA BARRETO MONCLARO – OAB/PR 66.373

[1] EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A comentada. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 39.

 

[2] https://www.migalhas.com.br/depeso/426673/holding-familiar-e-confusao-patrimonial-riscos-e-consequencias

 

[3] https://www.conjur.com.br/2024-jul-15/em-busca-do-elo-oculto-entre-devedor-e-seu-patrimonio-na-blindagem-patrimonial/

 

[4] https://www.migalhas.com.br/depeso/427547/matrioshka-e-desconsideracao-per-saltum-da-personalidade-juridica

Postado em: Notícias STJ

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